“Ser cineasta negro é diferente de fazer Cinema Negro”, afirma Joel Zito Araújo no Copene 2020

11 novembro, 2020
20:16
Por Camille Bropp
UFPR

Representatividade negra na mídia brasileira é um tema caro ao cineasta e pesquisador mineiro Joel Zito Araújo, de 66 anos. É esse o assunto central do documentário “A Negação do Brasil” (2000), por ele dirigido, que dá luz, imagem e som à sub-representação histórica da maior parcela da população brasileira na TV, seja em novelas ou na publicidade. A boa notícia é que, em 20 anos desde o lançamento do documentário, Araújo vê que o tema caminhou. “Sim, existem grandes avanços. Hoje, por exemplo, existe um Cinema Negro brasileiro”, avalia.

Mas o que é Cinema Negro? Para Araújo, a produção que se enquadra nessa classificação está inserida em um contexto profundo de representatividade negra. Ou seja, é a produção do cineasta negro que percorreu seu caminho de conscientização e quer vê-lo retratado em uma obra porque entende o impacto político das criações culturais. Esse foi o ponto de vista que defendeu na conferência on-line no terceiro dia do XI Congresso de Pesquisadores(as) Negros(as) (Copene), nesta quinta-feira (12).

Joel Zito Araújo (acima, à dir.) na conferência “Pensamento e arte negra: uma contribuição cultural ou civilizatória?”, ao lado do jornalista e professor Deivisson Campos

O termo, dessa forma, fala mais de obras do que de autores. Por isso Araújo se apressa em dizer que não faz sentido, em um mercado como o do audiovisual, exigir regência do Cinema Negro sobre toda a produção de um profissional de cinema que é negro.

“Ser cineasta negro não significa ser adepto de uma religião. Um cineasta negro é um cineasta como qualquer outro, especialmente se ele vive de cinema. Ele pode ser contratado apenas por suas habilidades técnicas. Mas fazer Cinema Negro é uma coisa bem diferente. Envolve lugar de fala, envolve mergulhar no inconsciente cultural do seu povo, de sua ascendência racial. Estar sintonizado com dilemas históricos e culturais do seu grupo racial de pertencimento”.

Quanto às diferenças com os EUA, creio que está relacionada à estratégia da colonização portuguesa (que foi igual à espanhola). Os filhos mestiços foram convencidos de que não eram mais negros, e que buscar progressivamente pelo branco das gerações futuras era a melhor estratégia. Isto desarmou na maioria de nós afro-brasileiros a capacidade de combate.

S

[20:36, 11/11/2020] Neli Rocha ABPN: 2) o que na formação de cineastas brasileiros o faz ser tão refratários a protagonistas negros, até mesmo quando o filme tem temática social, caso “Que Horas Ela Volta”?
Os e as cineastas existentes passaram pelas mesmas universidades que passamos, que negaram (e muitas ainda negam) o racismo estrutural brasileiro. E muitos adoram esta fantasia confortável, para quem é branco, de que não temos o problema da discriminação e da injustiça racial. Ou que isto é um problema localizado, tópico. Esses e essas cineastas tentam construir seu público, e tentam corresponder aos valores dele. O resultado é muitas vezes decepcionante, apesar da obra ser cheia de boas intenções. O mito da democracia racial acaba prevalecendo.

[20:36, 11/11/2020] Neli Rocha ABPN: 1) desde Negação do Brasil vc enxerga avanços na representatividade dos negros no audiovisual brasileiro, atrás e em frente às câmeras? Por que aparentemente nos EUA, onde negros são minoria demográfica, essas críticas geram mais impacto e há já cineastas mainstream como Jordan Peele? Há alguma “pegadinha” nesse cenário deles tbm?
Sim, existe grandes avanços. Hoje, por exemplo, existe um cinema negro brasileiro.
Quanto às diferenças com os EUA, creio que está relacionada à estratégia da colonização portuguesa (que foi igual à espanhola). Os filhos mestiços foram convencidos de que não eram mais negros, e que buscar progressivamente pelo branco das gerações futuras era a melhor estratégia. Isto desarmou na maioria de nós afro-brasileiros a capacidade de combate.

[20:36, 11/11/2020] Neli Rocha ABPN: 4) recentemente teve repercussão a demissão (a pedido) de roteiristas negros no projeto da série sobre Marielle Franco produzida por José Padilha. O que achou dessa dinâmica? É preciso se rebelar contra quem nos faz de token? Como negociar para que isso não ocorra?
Eu não consegui acompanhar de perto este caso. Evito dar opiniões quando vejo apenas notícias esparsas e incompletas.

Veja a conferência na íntegra:

Sobre o Copene 2020

Neste ano, o Copene será realizado em duas fases, segundo reorganização necessária devido à pandemia de Covid-19.

A primeira será online, de 9 a 12 de novembro, com a conferência de abertura, no dia 9, com a escritora Conceição Evaristo, mesas redondas e a publicação do caderno de resumos das sessões temáticas As apresentações de trabalho foram transferidas para a Semana da África, de 24 a 26 de maio, no Campus Rebouças da UFPR, em Curitiba.

O congresso é realizado anualmente pela ABPN e, neste ano, tem organização da UFPR, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e do Instituto Federal do Paraná (IFPR). Também participa da promoção o Consórcio Nacional dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, do qual faz parte o Neab da UFPR, e a Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (Sipad) da UFPR.

Há 20 anos a ABPN atua para o fortalecimento profissional de pesquisadores negros e a consolidação dos campos temáticos de pesquisas de forma a garantir multiplicidade de pensamento em todas as áreas do conhecimento.

Leia mais notícias sobre o Copene 2020 neste link

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