Os números são superlativos: uma reserva de petróleo de cerca de 149 mil quilômetros quadrados, que se estende do litoral do Espírito Santo ao de Santa Catarina. Localizada sete mil metros abaixo do nível do mar, as jazidas estão sob uma camada de sal (daí a designação: pré-sal) que em alguns pontos chega a dois quilômetros de espessura. Apenas em quatro blocos de exploração – Tupi, Iara, Guará e Jubarte – a Agência Nacional de Petróleo (ANP) estima que possa haver cerca de 15 bilhões de barris de óleo equivalente (petróleo e gás natural), número que já supera as reservas brasileiras anteriores à descoberta, de 14 bilhões.
As previsões a respeito de todos os blocos do pré-sal, no entanto, ainda são especulativas. “É difícil prospectar isso. É uma informação que apenas quatro ou cinco nomes de dentro da Petrobras podem se arriscar a fornecer”, diz o professor José Manuel Reis Neto, do Departamento de Geologia da UFPR. Alguns especialistas, no entanto, tentam e fornecem números que flutuam entre 30 e 300 bilhões de barris de óleo equivalente. A estimativa mais aceita, porém, gira em torno dos 100 bilhões, o que faria o Brasil saltar da 13ª para a 6ª posição entre os maiores produtores no mundo. Depois de alcançar a autossuficiência, em 2006, o país se tornaria um forte exportador do produto.
A descoberta levou o governo a estudar um novo marco regulatório para o petróleo. Para a União, o regime vigente hoje, de concessões, não atende aos interesses do Estado no caso do pré-sal. Isso porque as novas jazidas apresentam uma maior margem de segurança na exploração. “Até agora, dos 47 poços perfurados na camada, encontrou-se petróleo em 41. Uma taxa de acerto de 87%, contra 25% da média mundial”, compara o professor João Armando Dalla Costa, coordenador do curso de Economia da UFPR.
O baixo risco tornaria o modelo de concessões ultrapassado. Nele, a União leiloa os poços e a empresa ganhadora fica com todo o óleo e gás que extrair, pagando apenas um imposto ao governo. Na nova proposta, de partilha, a Petrobras fica responsável por pelo menos 30% do óleo extraído em cada campo. O restante cabe à empresa que vencer a licitação – ganha a concorrência aquela que oferecer a maior porcentagem em barris de óleo bruto à União.
Além disso, uma porcentagem igual à repassada pela empresa vencedora ao Estado também deve ser destinada a União pela Petrobras. Se aquela oferecer à União 80% de sua fatia, por exemplo, a Petrobras deve fazer o mesmo com o óleo que lhe cabe. “O que o governo quer é se apropriar dessa riqueza, para que o Brasil não entre na mesma jogada dos países árabes, onde esses recursos são controlados por duas ou três famílias”, assinala Dalla Costa.
Demian Castro, chefe do Departamento de Economia, faz uma ressalva. Para ele, os aspectos técnicos e políticos envolvidos no processo podem mudar os rumos do pré-sal. “Muita água vai rolar até que essa descoberta se torne produtiva. Ela exige uma tecnologia bastante sofisticada [para extração], e ainda precisamos levar em conta que 2010 é ano de eleições”, ressalta o professor.
O novo marco regulatório propõe também que a Petrobras seja operadora única de todos os campos do pré-sal. Ou seja: a empresa, independentemente de quem seja a parceira, será a responsável pela condução e pelas tomadas de decisão durante todo o processo de exploração. Já para negociar os interesses do governo, gerir recursos financeiros e coordenar o ritmo de exploração será criada a Petrosal, empresa 100% estatal (parte da Petrobrás hoje é controlada por acionistas privados).
Segundo a proposta governamental, todo o dinheiro obtido pela União com a venda do óleo do pré-sal deverá ser destinado a um fundo social. Entre outras coisas, o objetivo é evitar que o país sofra com o que ficou conhecido como “doença holandesa”. Na década de 70, depois de descobrir grandes reservas de gás natural, a Holanda sofreu com a enxurrada de dólares que entraram no país. A venda do gás no mercado internacional causou a supervalorização da moeda, o que deixou mais caras as exportações e prejudicou o parque industrial.
Por isso, o governo quer que o Fundo Social use o dinheiro do pré-sal para fazer investimentos no mercado interno e externo, com o objetivo de equilibrar a balança financeira. Os rendimentos seriam depois investidos em áreas como educação, ciência e tecnologia e no combate à pobreza.
O VELHO E O NOVO – A descoberta de uma grande reserva de petróleo, combustível fóssil e altamente poluente, chega num momento em que a comunidade internacional discute formas alternativas de energia. E é daí que vêm muitas das críticas ao pré-sal. “Estamos num momento em que passamos por vários problemas ambientais. Vamos desenterrar mais petróleo e jogar na atmosfera?”, questiona o professor Luís Fernando Souza Gomes, do curso de Tecnologia em Biocombustíveis, da UFPR Palotina.
Para ele, o país tem vocação para produzir energia limpa, principalmente por conta da extensão territorial, do clima e, consequentemente, do potencial agrícola. “Já há tecnologia para dar conta do abastecimento interno, como o álcool e o biodiesel. Se tivermos incentivos, em pouco tempo podemos estar exportando energia limpa e não petróleo”, prevê Gomes.
As diferentes características do petróleo do pré-sal, porém, podem ter interferência direta nos índices de poluição causados pela queima de combustíveis. É o que diz o professor do departamento de Geologia da UFPR, José Manoel Reis Neto.
O óleo do pré-sal difere do encontrado no ‘pós-sal’ por ter se originado em rochas de idade diferente, o que aumenta a qualidade da commodity, um óleo mais ‘leve’. “Isso tem influência direta no refino, na quantidade de gasolina, por exemplo, que se pode obter dele, e também na poluição causada pelo combustível final”, explica.
Dalla Costa, do curso de Economia, também confia na capacidade brasileira para produzir biocombustíveis. “O Brasil tem o Pró-álcool. É o único país do mundo que tem um programa dessa magnitude”, assegura. Hoje, 80% da frota de carros vendidos no país se encaixa na categoria flex, que roda tanto com álcool como com gasolina. Para ele, o que o país está tentando fazer agora, com o pré-sal, é “jogar dos dois lados”.
Fora isso, a matriz energética do mundo será bastante dependente do petróleo ainda por “muitos anos, talvez muitas décadas”, de acordo com a estimativa do professor Demian Castro. Para ele, a indústria do automóvel ainda é muito forte na economia mundial, fato comprovado, por exemplo, pelas medidas tomadas por diversos governos para ‘salvar’ montadoras durante a crise financeira mundial. “Por outro lado, fico pensando até quando vamos insistir em automóveis e combustíveis fósseis”, reflete.
Defensor dos biocombustíveis, o professor Gomes também não menospreza o potencial do pré-sal, mas crê que o país não deveria usar o óleo da camada como combustível, e sim aproveita-lo na indústria petroquímica, que poluiria menos. “Esse petróleo pode ser usado na indústria do país, para a fabricação de plásticos, tintas, material asfáltico, entre outros”, opina.
Seja como for, o professor José Manoel tem uma posição firme: “Essa discussão, se devemos ou não extrair o pré-sal, já ficou pra trás. Precisamos desses recursos para melhorar a qualidade de vida da população. No Brasil, há gente que morre de fome. Se fôssemos a Suíça, talvez pudéssemos nos dar ao luxo.”
CAPITAL POLÍTICO – O sentimento nacionalista despertado pela campanha “O petróleo é nosso”, no início dos anos 50, durante o governo Getúlio Vargas, também já foi associado ao atual momento do país. À época, Vargas criou a Petrobras, com o objetivo de promover o monopólio do Estado sobre o petróleo. Uma acirrada briga entre “nacionalistas” e “entreguistas” decorreu daí. Após 57 anos, algo parecido acontece. Enquanto o governo quer aumentar a participação estatal na exploração do petróleo, a oposição defende uma maior interferência do capital estrangeiro. Para os opositores, a atitude do governo Lula é de um “nacionalismo populista” que pretende gerar capital político para a eleição de 2010.
Luiz Geraldo Silva, professor do Departamento de História, concorda que o atual governo é o mais nacionalista desde a redemocratização. “A tônica dos governos anteriores era ressaltar a pobreza de nosso parque industrial, nossa pobreza cultural, e, portanto, a necessidade de uma abertura.” Mas fala também de uma “tradição política” existente no Brasil. “O petróleo, ou mais amplamente todos os recursos do subsolo, pode ser usado com fins nacionalistas por seja lá qual governo, como já foi historicamente”, avalia.
Silva enxerga semelhanças entre o momento atual e a campanha getulista, mas também destaca uma diferença. Para ele, Vargas repelia sumariamente empresas estrangeiras, ao contrário de agora, quando o país de fato possui grandes reservas que são de baixo risco e por isso não necessita de capital externo. “À parte isso, ainda podemos dizer que o pré-sal foi ‘produzido’ por uma empresa que se arvorou no monopólio de Getúlio [a Petrobras] e que agora pode mudar os rumos do país. Sem dúvida existe aí um vínculo com o passado bastante interessante”.
AS FATIAS DO BOLO – Um ponto polêmico da proposta é a distribuição dos royalties de produção para as unidades federativas. Os principais estados produtores – São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo – reivindicam uma maior parcela de participação, enquanto governo e outras unidades defendem uma distribuição mais igualitária, já que o petróleo do pré-sal se encontra a 300 quilômetros da costa brasileira. Por ora, o texto-base aprovado na comissão especial da Câmara com o aval dos produtores, dá a esses estados uma fatia de 25%, contra 22% para a União e 44% para os não produtores (o que já é nove vezes mais do que recebem atualmente).
Uma das principais alegações dos produtores para um maior percentual é que esses recursos seriam usados na reversão de possíveis danos ambientais causados pela extração. “Mas esse petróleo está longe da costa, então um eventual vazamento de óleo, devido às correntes marítimas que atuam na região, não afetaria apenas dos estados produtores”, rebate Eduardo Salamuni, professor de Geologia da UFPR e diretor-presidente da Minerais do Paraná (Mineropar).
O professor defende que o pré-sal seja tratado como “um fato novo”. Segundo ele, estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo já são beneficiados pela atual lei do petróleo e ainda recebem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o que já seria suficiente para reverter danos causados ao meio ambiente. “O governo poderia criar um novo fundo, onde esses royalties ficariam depositados para serem investidos em projetos de ciência e educação dos estados, e também para mitigar possíveis problemas ambientais quando necessário, mas com a iniciativa partindo da União”, propõe.
Para o Paraná, uma divisão equânime seria o melhor negócio. Geologicamente, as reservas do pré-sal se estendem até Santa Catarina, mas o polígono que define oficialmente a área, e que consta no projeto do governo, foi reduzido e não chega ao Paraná. Por isso, é improvável que algum poço seja aberto em águas paranaenses, o que é necessário para caracterizar um estado produtor. “É possível que a Petrobrás tenha feito uma conta e concluído que as reservas mais ao Sul não valiam a pena, porque aquelas mais acima já seriam muito grandes. Por isso, é importante que o Paraná faça uma pressão política pelo novo marco regulatório”, observa Salamuni.
(A matéria foi publicada originalmente na edição de dezembro da revista Notícias da UFPR.)
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