Técnicos e pesquisadores da UFPR mapeiam assentamentos rurais com tecnologia de precisão. Substituindo antigas demarcações por coordenadas oficiais que asseguraram direitos territoriais de famílias agricultoras
Por Agência Escola UFPR
“A gente sabe onde precisa chegar, só precisa descobrir como chegar até lá”, explica a geógrafa Marianne Oliveira, pesquisadora do Laboratório Geoprocessamento e Estudos Ambientais (Lageamb) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), enquanto conversa com colegas sobre o trabalho em campo. Entre risadas, eles comentam sobre pneus que furam, carros que atolam, encontros com animais, sol forte e chuva repentina. O engenheiro cartógrafo e bolsista do Lageamb, Pedro Valentim, relembra que essa rotina é necessária para que o georreferenciamento seja feito com validade jurídica e precisão: “Percorremos toda a fronteira do terreno, conferindo cada limite. É cansativo, mas é o que garante a segurança do resultado”.
O georreferenciamento é um processo técnico científico de medir e descrever cada propriedade a partir de coordenadas geográficas oficiais, ligadas ao Sistema Geodésico Brasileiro. Assim, cada imóvel passa a ter limites claros, sem espaço para interpretações ou erros nos registros. Marianne explica que essa precisão é crucial para atualizar informações que foram elaboradas sem rigor no passado: “Antes eles descreviam assim: ‘Você chega até o rio, vira e segue tantos metros para jabuticabeira’… Não existe mais nada disso. Fazemos essa investigação para tentar localizar a área no espaço hoje”, explica. Segundo os pesquisadores, realizar o georreferenciamento é fundamental para a gestão territorial brasileira. O engenheiro cartógrafo e bolsista do Lageamb, Ellyon Magri Martins, explica que a delimitação feita pelas equipes evita problemas como sobreposição de registros, disputas entre vizinhos e até fraudes, como a grilagem, que é a falsificação de documentos para tomar posse ilegal de terras. Como os limites são definidos por coordenadas oficiais e certificadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, os registros ficam claros e confiáveis. “Isso dá segurança jurídica para as pessoas”, avalia.
Os três pesquisadores, Marianne, Elyon e Pedro, atuam no projeto Geodésia, que integra o TED-Incra, parceria entre a UFPR e o Incra. Nesse trabalho, o principal objetivo é atualizar a base de dados de Projetos de Assentamento a partir do georreferenciamento de imóveis rurais. Em áreas que são de responsabilidade do Incra, como os assentamentos, o georreferenciamento é uma das condições para emissão de títulos válidos e reconhecidos legalmente em nome dos beneficiários. Isso acontece porque os processos de levantamento socioeconômico e da organização das informações dos moradores só pode ser feita depois que exista uma descrição oficial do tamanho e limites do território.
Um dos locais visitados foi o Projeto de Assentamento São Lourenço, onde o Lageamb foi recebido na hora do almoço por Jéssica Santos de Moura, moradora contratada pela equipe para auxiliar na cozinha. Para ela, o trabalho abre caminho para a conquista futura dos documentos de posse da propriedade e também ajuda a manejar melhor o espaço. “Antes, a gente não podia fazer uma cerca ou definir a divisa, porque não sabia onde o lote começava e onde terminava. Agora, a gente sabe”, conta. Já para o agricultor Claudecir Ferreira, morador do Projeto de Assentamento Nova Fartura, a importância está em conhecer com clareza os limites do terreno para entender o que pode ser aproveitado dele: “Isso oferece segurança para quem reside nessas propriedades”.
Antes de ser feito pela equipe da Geodésia, o georreferenciamento já era uma técnica usada por outros projetos do Lageamb. Tudo começou com o Projeto Território Caiçara – Baía dos Pinheiros, que mapeou áreas do litoral do Paraná. O professor do Centro de Estudos do Mar da UFPR, Alexandre Bernardino Lopes, acompanhou o início dessa experiência e explica que, depois disso, o laboratório passou a utilizar a técnica também no TED-Incra em parcerias com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Do escritório ao campo Para que seja realizado o georreferenciamento, o primeiro passo é a análise documental, no qual a equipe consulta cartórios e órgãos que possam ter registro da localização da propriedade, de estradas que passam próximas a ela, trilhos de trem, rios e outros elementos espaciais que possam impactar na delimitação. O objetivo é localizar oficialmente cada lote no espaço de acordo com informações oficiais. Nessa etapa são encontradas as descrições do terreno que Marianne comentou, usando rios e jabuticabeiras como referência.
Com a documentação em mãos, começa a fase de planejamento. Utilizando softwares de Sistema de Informação Geográfica (SIG), a equipe cria mapas e define pontos de referência que orientarão o trabalho de campo. “Recebemos as áreas pré-planejadas pelo Incra e verificamos se correspondem à realidade, usando imagens de satélite e outras informações. Isso ajuda a gente a navegar e tomar decisões em campo”, detalha Pedro Valentim. Essa etapa garante agilidade permitindo identificar possíveis conflitos de limites e preparar o trajeto das equipes antes de ir ao campo.
Em seguida, vem a etapa mais conhecida do georreferenciamento: o trabalho de campo. É nesse momento que os limites definidos no papel são confrontados com a realidade do terreno. Para isso, a equipe visita cada propriedade a ser georreferenciada, conversa com os moradores para saber onde eles entendem que fica o limite do terreno, as possíveis discordâncias e conflitos relacionados ao assunto e se dirigem à fronteira do terreno. Utilizando equipamentos deu Sistema Global de Navegação por Satélite (GNSS), os profissionais percorrem as divisas por completo, comparando a delimitação apontada pelos moradores com a oficial, definida pelas coordenadas que eles recebem do Incra. Aos poucos, eles avaliam a localização das fronteiras, registram as mudanças que precisam ser feitas e materializam os limites: “É quando a gente coloca o marco no local certo, para que não haja dúvidas no futuro sobre onde começa e termina cada propriedade”, explica Marianne.
Após a coleta, os dados passam por processamento em softwares especializados. “O princípio do processamento é corrigir as coordenadas que pegamos em campo para obter a posição ideal”, explica Ellyon Magri Martins. Algumas posições podem ser ajustadas em tempo real, enquanto outras passam por pós-processamento para alcançar maior precisão.
Esse trabalho resulta em mapas, plantas e relatórios técnicos, assinados por engenheiros responsáveis, garantindo validade jurídica perante o Incra. Pedro descreve essa etapa como decisiva: “O projeto de planejamento que usamos no campo é atualizado com as coordenadas obtidas. Assim garantimos que cada divisa esteja registrada com precisão”.
O uso de drones também tem sido incorporado, agilizando o levantamento e aumentando a segurança da equipe em áreas de difícil acesso. “Antes, tínhamos que atravessar rios e matas fechadas, enfrentando riscos como pedras escorregadias e até cobras. Ainda fazemos isso, mas com os drones, conseguimos extrair alguns dos dados necessários de forma mais segura e rápida”, complementa Ellyon.
Uma batalha que vale a pena No papel, o georreferenciamento parece apenas um processo técnico e objetivo, mas, na etapa do campo, surgem histórias dos mais variados tipos. A equipe do Lageamb coleciona imprevistos que, de tão recorrentes, já viraram quase parte do ofício. Em várias das viagens, o carro atola no meio da estrada de terra e os técnicos precisam descer para empurrar o veículo sob chuva e lama. Em outra saída, o azar veio em triplo: o pneu furou três vezes no mesmo dia e Elyon teve que repetir o processo de trocar várias vezes.
Outro desafio é que, para traçar os limites do terreno, a equipe precisa percorrer todo ele a pé, e são sempre longos trechos, carregando equipamentos no sol forte, vegetação fechada ou áreas alagadas. No meio do caminho, a natureza também se impõe. Cobras cruzando trilhas, bois soltos no campo e até javalis já interromperam a jornada, fazendo o grupo redobrar os cuidados e lidar com o inesperado. Já aconteceu até dos pesquisadores serem atacados por insetos, o que obrigou alguns deles a entrar correndo no rio para espantar o enxame. Apesar dos perrengues, a sensação entre a equipe do Lageamb é de missão cumprida. Na conversa entre os pesquisadores, também estava o engenheiro cartógrafo Rodrigo Fantin, que pontuou: “No fim, a gente gosta de estar no meio do mato, estar com o pessoal. Esse trabalho é uma coisa maior que nós. A gente vai passar, mas vai contribuir para isso, para um cadastro territorial. Deixar um legado”.
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