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UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARANÁ

Sapinhos minúsculos da Mata Atlântica perdem equilíbrio ao saltar por causa de processo evolutivo, aponta estudo

A descoberta vem de um trabalho coletivo de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, da Universidade da Flórida e da Universidade do Sul de Illinois, nos Estados Unidos

Uma pesquisa, publicada na revista científica norte-americana Science Advances, trata dos sapos do gênero Brachycephalus, nativos da região da Serra do Mar brasileira e não maiores do que a ponta de um lápis: a maioria mede de 1 a 1,5 centímetro. Mas nem sempre eles foram assim — eles passaram por um processo de miniaturização, uma evolução brusca no tamanho que acarreta em diversas mudanças no corpo dos animais. Nos sapos, uma dessas alterações foi a perda de equilíbrio na hora de pular.

André Confetti, doutorando em Zoologia pela UFPR e coautor do estudo, explica que o equilíbrio nos animais tetrápodes (superclasse dos vertebrados terrestres com quatro membros) está relacionado a um fluído presente nos canais semicirculares do ouvido interno. É esse mecanismo que detecta os movimentos corporais, como a aceleração e a rotação. Como o sapinho Brachycephalus é muito pequeno, seu ouvido interno não possui o espaço suficiente para esse líquido fluir e manter seu equilíbrio, por isso a dificuldade em saltar.

“O estágio inicial do salto é perfeito. Ele consegue gerar tensão e se impulsionar tranquilamente. O problema está quando o sapo sai do solo. Ele não consegue redirecionar o corpo para pousar direito e é basicamente catapultado”, descreve o pesquisador paranaense. E embora pareça, o estudo garante que os sapinhos não se machucam com as quedas – confira o processo do salto no infográfico abaixo.

Infográfico: Juliana Barbosa/Aspec UFPR (Assessoria a Projetos Educacionais e de Comunicação do Setor de Ciências Biológicas)

O pesquisador norte-americano Richard Essner Jr, professor na Universidade Edwardsville do Sul de Illinois e autor principal do estudo, explica que os sapos são protegidos por uma relação de escala. Quanto maior um animal e mais massa corporal ele possui, maior a chance dele se machucar durante uma queda. Com animais pequenos, o oposto acontece. “Ele é como um minitanquezinho de guerra, a estrutura óssea dele é muito grande em proporção ao tamanhinho dele”, complementa Confetti.

Não se sabe a causa exata da miniaturização, mas, por ser um processo natural e comum a diversos outros animais, ela não os prejudica nem causa alterações drásticas no ecossistema. Pelo contrário, os sapinhos ainda conseguiram encontrar vantagens no tamanho pequeno e outras maneiras de se proteger de predadores. “Você vê características como uma coloração brilhante, muitos deles são venenosos ou são muito camuflados”, explica Essner, que também é doutor em Ciência Biológicas pela Universidade Edwardsville do Sul de Illinois, nos Estados Unidos.

Confetti ressalta que há uma diferença entre os animais que são apenas pequenos e os miniaturizados. Esses passaram por um processo evolutivo que os diminuiu de uma forma mais rápida do que aconteceria em uma evolução normal. Ele conta que, além dos Brachycephalus, há registros de diversos outros sapos miniaturizados e também de peixes, lagartos, cobras, entre outros. “Todos os grupos de organismo sofreram alguma coisa desse tipo [de diminuição]”, afirma.

O artigo é assinado por Rudá Pereira, Mauricio Moura, André Confetti e Marcio Pie, pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR); David Blackburn, Amber Singh e Edward Stanley, da Universidade da Flórida; e Richard L. Essner Jr., da Universidade Edwardsville do Sul de Illinois.

Essner comenta que a colaboração entre universidades de diferentes locais rendeu um saldo muito positivo, profissional e também pessoalmente. “Eu aprendi muitas coisas. Foi muito inspirador visitar o Brasil. Eu dou cursos relacionados à conservação na minha Universidade e ver a Mata Atlântica em primeira mão foi uma experiência incrível. Eu não tinha percebido, antes de visitar, o quão ameaçada era aquela área e quanta biodiversidade está presente ali”, finaliza o pesquisador norte-americano.

Comparação entre gêneros de
sapos para observar evolução

As pesquisas iniciaram em 2018 por meio de uma parceria entre grupo de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Zoologia da UFPR e o laboratório coordenado por Richard Essner Jr, na Universidade Edwardsville do Sul de Illinois. Primeiro, foi feita a busca e coleta dos sapos nas montanhas da Serra do Mar e depois, as gravações dos saltos – assista aqui a um vídeo feito pelos pesquisadores.

Para comprovar o desequilíbrio relacionado à miniaturização, os saltos do Brachycephalus foram comparados com os saltos do grupo irmão. Imagem: Richard Essner Jr/Divulgação

Para comprovar a hipótese de que o desequilíbrio tinha relação direta com a miniaturização, os saltos do Brachycephalus foram comparados com os saltos de seu grupo irmão, o gênero Ischnocnema. “O grupo irmão seria, na árvore filogenética de relações, o grupo de organismos mais próximo, tanto que eles dividem o mesmo ancestral. Em um determinado momento da história evolutiva, um ramo derivou e virou Brachycephalus e outro Ischnocnema”, explica Confetti.

Os sapos do grupo irmão são maiores e apresentaram, nos testes, pulos perfeitamente equilibrados. Com esses resultados, os cientistas entraram em contato com a Universidade da Flórida para fazer uma microtomografia do ouvido dos sapinhos, o que comprovou que os canais semicirculares internos eram bastante fechados — os menores de todos os vertebrados, segundo Essner.

Modelos 3D na análise dos
esqueletos minúsculos

Durante a pesquisa, foram utilizados também diversos modelos 3D computadorizados do esqueleto dos sapinhos. Como eles são muito pequenos, os ossos são frágeis e difíceis de manipular. No computador, é possível dar zoom e fazer análises com muito mais facilidade. Os modelos usados vêm de uma iniciativa chamada oVert (openVertebrate), da qual os pesquisadores da Universidade da Flórida e de mais outras 17 universidades dos Estados Unidos fazem parte.

Os esqueletos de animais preservados em museus são escaneados e ficam disponíveis em uma plataforma chamada MorphoSource, que pode ser acessada por pesquisadores do mundo todo. A ideia do oVert é que, em quatro anos, o acervo da plataforma seja em torno de 20 mil animais e cubra todos os museus dos Estados Unidos. “Seria inviável fazer essa pesquisa se eu não usasse esses modelos 3D”, reforça Confetti.

Por Leticia Negrello Barbosa
Sob orientação de Chirlei Kohls
Parceria Superintendência de Comunicação e Marketing (Sucom) e Agência Escola de Comunicação Pública da UFPR

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