UFPR traz a terceira reportagem da série que explica, com o auxílio de seus professores, o conceito de soberania nacional, em seus variados vieses
Quando se fala em soberania, é comum pensarmos em fronteiras protegidas, independência econômica e capacidade de defesa. No entanto, estudiosos lembram que a autonomia de um país se constrói também no campo simbólico, na cultura, na linguagem e no reconhecimento da pluralidade identitária que compõe a sociedade. Essa dimensão, chamada de soberania cultural, envolve o direito de uma nação afirmar suas próprias referências e de valorizar a diversidade que lhe dá forma.
Para a professora Lígia Negri, do Departamento de Literatura e Linguística da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a língua é um dos pilares dessa construção.
“A forma como falamos é mais do que comunicação: é marca de pertencimento e instrumento de cidadania. É nela que as pessoas se reconhecem como pares, como pertencentes àquele grupo social geográfico e cultural.”
Combater preconceitos linguísticos e valorizar a diversidade de expressões é outro passo considerado fundamental para reforçar a cidadania e garantir que ninguém seja inferiorizado por “não falar certo” ou por se afastar de padrões considerados hegemônicos. “Nossa cultura é muito rica, seja na música, nas artes, na literatura; e diante disso existe grande influência do estrangeiro nela. Mas isso é um processo normal em qualquer nação e deve ser acomodado não se sobrepondo às nossas origens”, conclui.
Leia também: Como as iniciativas de software livre mostram caminhos para a soberania digital?
E mais: Economia e tarifaço: o que está em jogo para o Brasil?
Nesse sentido entra no debate a expressão “complexo de vira-lata” — popularizada por Nelson Rodrigues a partir da década de 1950, que descreve um sentimento de inferioridade do brasileiro em relação a outros povos e nações, especialmente as mais desenvolvidas economicamente. Filmes, séries, músicas e livros brasileiros muitas vezes são tratados como inferiores, o que enfraquece a confiança do país em suas próprias narrativas.
Na avaliação da professora Valquiria John, do Departamento de Comunicação da UFPR, esse complexo está enraizado em parte da crítica cultural, mas não faz sentido.
“Na televisão, por exemplo, a produção de larga escala valorizada e colocada como padrão é a dos Estados Unidos, mas o Brasil tem uma produção estética, técnica e de conteúdo temática de altíssima qualidade. As nossas telenovelas são um produto cultural de importante exportação. Mesmo assim, não é raro a gente ouvir quando vai se fazer uma crítica a uma série estadunidense, seja de TV ou do streaming, o rótulo de ‘essa série é ruim’ porque ela virou um ‘novelão’. Isso é puro preconceito”.
A diversidade que potencializa a criatividade do brasileiro está aí para responder qualquer um que ainda acredite no “complexo de vira-lata”. A professora Rosane Kaminski, do Departamento de História da UFPR, por exemplo, afirma que esse tipo de expressão nunca coube à nossa realidade. “Eu vejo e acredito nas pessoas que se organizam em grupos, que estudam, que produzem artes nas mais variadas linguagens, que organizam exposições, festivais que discutem a cultura brasileira em suas diversas manifestações. Há, ao mesmo tempo, o consumo de cultura estrangeira, e isso não é algo ruim. Podemos, hoje, consumir produtos feitos nos mais diferentes lugares do planeta. O “quanto” e o “como” isso impacta os nossos próprios produtos é bem variável.”
Com um país de 200 milhões de habitantes, as representações culturais são diversas e exigem debates mais amplos sobre inclusão, como a representatividade de grupos historicamente marginalizados no espaço público e no imaginário social. O fortalecimento das pautas nesse sentido tem ajudado a desconstruir preconceitos, uma vez que amplia a representatividade de identidades plurais e cria novas formas de pertencimento cultural.
“A valorização das manifestações culturais e artísticas permite uma construção identitária diversificada, ao mesmo tempo em que fortalece o sentimento de pertencimento e a existência de uma memória coletiva que não seja somente aquela imposta pelos símbolos nacionais. Valorizar a arte é o contrário de ‘massificar’, uma vez que arte é invenção de novas formas de se expressar. Isso é soberania”, concluiu Rosane Kaminski.
A professora Valquiria John afirma que é preciso enxergar os bens culturais não só como reflexos do nosso comportamento como nação, mas também como um produto. Algo que mexe com a economia e deve ser levado a sério. “A gente exporta nossas artes que geram recursos como empregos e bilheteria. Além disso, é ela que traz enorme visibilidade que demarca a posição do nosso país no mundo.”
Ao entrelaçar a linguagem, a arte, a comunicação e a cidadania, especialistas convergem na ideia de que a soberania cultural é mais do que a defesa de um patrimônio. É a capacidade de uma nação afirmar sua pluralidade e garantir que vozes antes marginalizadas se tornem parte do centro da narrativa nacional. Nesse processo, o fortalecimento da representatividade, a superação do complexo de vira-latas e a valorização da diversidade são passos decisivos para que o Brasil fortaleça sua identidade sem abrir mão de sua complexidade.
O SUS é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo Por Flavia Keretch, […]
Informações da CPA-UFPR Está no ar a Avaliação Institucional 2025 da Universidade Federal do Paraná (UFPR), coordenada pela […]
Universidades, entidades de classe, órgãos públicos e organizações de direitos humanos, no Brasil e no exterior, ressaltaram a […]
Elas acontecem em Curitiba e Paranaguá, e integram a programação da 19ª Primavera dos Museus Com informações do […]