Cafeína, protetores solares, xampus e remédios são substâncias muito presentes na vida cotidiana, mas seu descarte incorreto pode acarretar consequências graves para os rios. A chamada contaminação emergente trata destes compostos que são lançados nos corpos hídricos diariamente, com efeitos ainda não comprovados para os seres humanos. Nesse cenário, pesquisadores do grupo de pesquisa Estudos Avançados em Química Ambiental investigam esse tipo de contaminação nos rios do Paraná.
Uma das pesquisas é realizada por Luis Peixoto, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental (PPGERHA) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que busca monitorar os índices dos contaminantes emergentes nos rios do estado, sobretudo na Região Metropolitana de Curitiba e no litoral, a partir do cruzamento de dados ambientais e populacionais por meio da inteligência artificial.
O pesquisador faz parte do grupo de pesquisa, que é vinculado ao PPGERHA e conta com cientistas da UFPR e também da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Sob coordenação do professor Júlio Azevedo, a equipe é atualmente formada por nove alunos de pós-graduação.
Com a evolução da análise de compostos em concentrações cada vez menores nas águas superficiais, como de rios, substâncias diferentes dos poluentes já reconhecidos como prejudiciais ao meio ambiente puderam ser localizadas e estudadas como contaminantes emergentes. De acordo com o coordenador do grupo de pesquisa, “esses contaminantes são compostos químicos presentes na formulação de produtos do nosso dia a dia, como remédios, cosméticos, cremes, xampus, condicionadores, utensílios domésticos e até mesmo em nossa comida. Esses compostos não são regulamentados por nenhuma legislação ambiental brasileira atualmente”. Como exemplo, ele cita anti-inflamatórios e antibióticos, hormônios, conservantes, antimicrobianos, plastificantes, filtros UV, entre outros elementos.
A iniciativa elaborada por Luis Peixoto monitora, a partir da inteligência artificial, os níveis dessas substâncias nos rios com base na quantidade de outros compostos presentes em sua água. Assim, o programa cruza os dados dos diversos componentes encontrados no corpo hídrico e relaciona-os, o que permite calcular a concentração de uma substância a partir da presença de outra.
O projeto do doutorando também pretende relacionar dados socioeconômicos aos níveis de contaminantes encontrados nos rios de uma região. Em suas pesquisas, ele encontrou correlações diretas entre fatores sociais e econômicos, como a quantidade de pessoas em moradias irregulares e a condição dos corpos hídricos em seu entorno.
“A premissa em que me baseio é que a condição do rio é um retrato da sociedade que habita a sua bacia hidrográfica. Por meio da poluição carregada pelas chuvas para o corpo fluvial, conseguimos identificar os hábitos de consumo e os maneirismos da população”, afirma. Dessa maneira, seu objetivo é disponibilizar um programa baseado na inteligência artificial que relacione dados ambientais aos socioeconômicos para prever possíveis consequências para os rios, contribuindo para a gestão pública das regiões próximas às bacias hidrográficas.
Contaminantes emergentes no Paraná
Mesmo que ainda não tenham comprovações científicas sobre os efeitos nocivos para os seres humanos, os contaminantes emergentes possuem impactos observáveis nos ecossistemas aquáticos. Essas substâncias podem levar ao desequilíbrio ambiental, contribuir para a degradação dos corpos hídricos e afetar diretamente os animais que vivem nos rios. “Um caso em que os contaminantes afetaram uma população aconteceu nos Estados Unidos. Em uma concentração de cinco a seis nanogramas por litro, hormônios femininos lançados na água foram responsáveis pela feminilização de peixes. Ou seja, machos começaram a ficar estéreis, alguns até mudaram sua anatomia, tornando-se hermafroditas e/ou fêmeas estéreis”, comenta Luis Peixoto.
Segundo dados apurados desde o ano de 2012 pelos pesquisadores dos Estudos Avançados em Química Ambiental, o principal componente encontrado nos rios da Região Metropolitana de Curitiba e no litoral do Paraná é a cafeína. Também são frequentemente localizados conservantes de produtos de cuidado pessoal, como parabenos e antimicrobianos, entre eles o triclosan, usado em sabonetes que eliminam 99,9% das bactérias. Além disso, foram observados fármacos como paracetamol, ibuprofeno, diclofenaco e antibióticos, bem como hormônios utilizados em pílulas anticoncepcionais, como o etinilestradiol.
A explicação para a presença desses compostos nos rios, na maioria das vezes, é a presença de esgoto doméstico. De acordo com o professor Júlio Azevedo, os remédios e anticoncepcionais são eliminados na urina e nas fezes, enquanto os produtos como cremes, xampus e outros itens de higiene pessoal, são carregados pela água do banho. Assim, o destino final dessas substâncias é o esgoto doméstico, que por vezes pode ser jogado clandestinamente nas águas fluviais sem tratamento. Outra forma de carregamento de contaminantes acontece por meio do escoamento da chuva, que leva consigo diferentes partículas para os rios.
O grupo de pesquisa Estudos Avançados em Química Ambiental investiga os corpos hídricos do estado desde 2012 e possui estudos de mestrandos e doutorandos concluídos e em andamento na faixa litorânea e no Porto de Paranaguá, em Ponta Grossa e na Grande Curitiba. Os resultados obtidos pelas pesquisas indicam que, durante o verão, a contaminação emergente aumenta nas cidades de Guaratuba, Matinhos, Praia de Leste, Ipanema, Pontal e Guaraqueçaba, devido ao maior número de turistas na região e o consequente crescimento de produção de esgotos domésticos. Os principais compostos localizados foram a cafeína, hormônios utilizados em pílulas anticoncepcionais, alguns fármacos e protetores solares (filtros UV).
Em outra análise, agora na cidade de Paranaguá, os pesquisadores da equipe descobriram que a água de áreas com menor presença humana, como a Ilha da Banana, a Prainha do Pasto e a Ponta do Ubá, apresentou melhor qualidade quando comparada com a de regiões urbanas no curso do Rio Itiberê. Já em Ponta Grossa, três rios foram estudados entre 2015 e 2016, todos afluentes do Rio Tibagi e que cruzam o centro da cidade: o Arroio Olarias, o Arroio Ronda e o Rio Verde. O levantamento apontou que os compostos mais detectados foram a cafeína, Ibuprofeno, Benzilparabeno e Triclosan, bem como altas concentrações de nitrogênio amoniacal (forma aquática da amônia, poluente tóxico) e de ortofosfato (encontrado nas pastas de dente, detergentes e adubos), que induzem a proliferação desordenada de algas e degradam o ambiente.
Na Região Metropolitana de Curitiba, os pesquisadores da UFPR e da UTFPR destacam como mais contaminados o Rio Iguaçu, o Rio Belém e as partes finais do Rio Barigui e do Rio Atuba. Para o professor Júlio Azevedo, as altas concentrações de contaminantes emergentes nesses corpos fluviais são consequência da urbanização da capital do estado. “O que notamos é que, quanto maior a densidade demográfica da região, maiores são os níveis de contaminação. Os rios afluentes do Iguaçu, por exemplo, nascem em áreas da RMC e passam pelo centro dessas cidades. Então, próximo à nascente do rio, a qualidade da água é melhor, e, perto de sua foz, a poluição por contaminantes emergentes é maior”, expõe.
Outras formas de poluição fluvial
Em relação à situação dos rios paranaenses, recentemente a Rede de Monitoramento e Modelagem Ambiental – REsMA tem se organizado para o desenvolvimento de estudos de avaliação de risco na bacia do rio Iguaçu relacionados à fauna aquática e às populações humanas. Esta é uma rede de pesquisadores de um projeto vinculado ao Programa de Internacionalização da Universidade Federal do Paraná (Capes-Print-UFPR), com a participação de nove programas de pós-graduação.
Ciro Alberto Oliveira Ribeiro, professor dos Programas de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular, Ecologia e Conservação, Mestrado Profissional (ProfBio) e coordenador do REsMA, relata que o projeto pretende avaliar diversas bacias hidrográficas paranaenses. O Rio Iguaçu, por exemplo, é monitorado pelos pesquisadores de seu grupo há cerca de 15 anos. “Nós trabalhamos com a exposição de micropoluentes presentes na água fluvial em organismos vivos e, através de biomarcadores de contaminação ambiental, avaliamos o risco de exposição desses organismos aos poluentes presentes nesses ambientes”, explica. “Portanto, estudamos o potencial impacto dos danos em diferentes níveis de organização biológica, como molecular, em proteínas, lipídios e no DNA do animal exposto, bem como a nível celular, tecidual ou sistêmico, como o sistema endócrino, responsável pela produção de hormônios.”
Sobre a poluição dos rios do estado, que diz respeito à presença de elementos e substâncias cientificamente comprovados como maléficos para o ambiente e para os seres humanos (como o microplástico), o pesquisador destaca o Rio Iguaçu, pois foi classificado como o segundo corpo hídrico mais poluído do país pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em levantamento realizado no ano de 2013.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico também fornece dados sobre o estado das águas dos rios paranaenses. Um dos indicadores testados é a Demanda Biológica de Oxigênio, parâmetro mais utilizado para medir a poluição fluvial, que se refere à quantidade de oxigênio consumido na degradação da matéria orgânica de um meio aquático. Na última testagem, realizada no ano de 2017, o Rio Atuba, que passa por Curitiba, apresentou o maior índice referencial no Paraná, de 24,8 mg L-1. O Iguaçu ficou em segundo lugar, uma vez que variou entre 18,6 mg L-1 e 7,2 mg L-1 por cinco pontos testados.
“O Alto Iguaçu nasce na serra do Mar, passa pela Região Metropolitana de Curitiba e recolhe toda a poluição que uma metrópole pode oferecer, tanto em termos de despejo industrial quanto de despejo urbano. Toda essa contaminação se espalha ao longo rio e deteriora o que está pelo caminho”, afirma o professor Ciro. “Em uma extremidade do Iguaçu existe uma degradação total, pode-se dizer que o rio está morto. Mas, lá no final dele, está um cartão postal, as Cataratas do Iguaçu. Isso é um contrassenso enorme”.
Conforme monitoramento realizado entre 2013 e 2018 pelo Instituto Água e Terra (IAT), o corpo hídrico com melhor qualidade de água na Grande Curitiba é o Rio Piraquara, na cidade de Piraquara. Sua condição foi classificada como “muito boa”, com Índice de Qualidade de Água (IQA) de 0,15 (o indicador varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior a poluição do rio). O ponto mais poluído da região metropolitana, de acordo com o Instituto, pertence ao Rio Iguaçu na altura do município de São José dos Pinhais, com 0,97 de IQA.
Já no litoral do estado, todos os rios avaliados pelo IAT possuem qualidade “boa” ou “muito boa”. O melhor qualificado é o Rio do Nunes, em Antonina, com índice de qualidade de 0,10, e os piores são o Rio Cachoeira, também em Antonina, e o Rio Sagrado, em Morretes, ambos com 0,25 de IQA.
Tratamento e saneamento: possibilidades de mudança
As soluções para a contaminação emergente e para a poluição dos rios são as mesmas, segundo os pesquisadores do grupo Estudos Avançados em Química Ambiental e do REsMA: saneamento básico para todas as residências e tratamento de esgoto eficiente. Além do investimento em ciência e em novas tecnologias que possibilitem uma melhora no manejo dos despejos urbanos, industriais e hospitalares.
Luis Peixoto ressalta que a coleta de lixo também é importante para impedir o deslocamento dos resíduos para o fluxo hídrico e expõe meios de eliminar os esgotos clandestinos. “Em uma visão governamental, é necessário interligar todas as casas à rede de recolhimento e de tratamento de esgoto. Caso não se possa ligar algum domicílio, a alternativa seria oferecer subsídios para a construção de solução individual de tratamento de esgoto, como tanques sépticos (fossas)”, sugere.
O professor Ciro acrescenta que é preciso desenvolver uma separação entre os diversos tipos de tratamento de resíduos, bem como modernizar seus métodos. “Deve-se recolher os esgotos de todos os estabelecimentos, mas também separá-los. Resíduos hospitalares seriam tratados diferentemente do esgoto domiciliar, assim como o industrial, a fim de garantir a melhor qualidade possível. Precisamos também modernizar os procedimentos”. Ele comenta que nos Estados Unidos, as pessoas são instruídas a jogar os medicamentos nos vasos sanitários e darem descarga, pois o tratamento de esgoto do país é eficiente. “Para chegarmos nesse nível, precisamos de muito investimento”, ressalta.
Em âmbito individual, o professor Júlio Azevedo aponta que reusar e reduzir o consumo de água, controlar a ingestão indiscriminada de remédios (principalmente antibióticos), priorizar o consumo de produtos mais naturais (livre de parabenos e de outros conservantes) e diminuir a utilização de plástico são ações que contribuem para a qualidade da água dos rios. Ademais, ele reforça que a ligação do imóvel à tubulação de esgoto sanitário é responsabilidade do proprietário, portanto, ele deve estar atento a essa questão. “O sucesso depende da ação e da conscientização de todos”, reconhece.
Por Isabela Stanga
Sob supervisão de Maria Fernanda Mileski
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