Perda de olfato e de paladar são alguns dos sintomas mais comuns da covid-19, ocorrendo até com mais frequência que outras manifestações características da doença como tosse, febre e cansaço, e têm auxiliado no diagnóstico inicial de pessoas infectadas pelo coronavírus. Esses sintomas são corriqueiros também em outros tipos de resfriado e gripe, porém sempre de forma transitória e reversível. O que tem se observado com relação à covid-19 são relatos de perda de olfato e paladar sem retorno mesmo após o desaparecimento dos demais sintomas e da criação de anticorpos pelo organismo.
Esse é o caso de Viviane Flumignan Zétola, que está há quatro meses sem sentir gosto e cheiro de praticamente nada. Médica neurologista e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ela descobriu que havia sido infectada pelo vírus logo no início da pandemia no Brasil, em 17 de março, e, após a perda súbita desses sentidos, passou a pesquisar mais sobre o assunto que está dentro de sua especialidade médica. Seu autorrelato foi publicado na revista internacional Crimson Publishers.
Estudos recentes revelam que cerca de 36% dos pacientes infectados pelo coronavírus desenvolvem complicações neurológicas, das quais as mais comuns relativas ao sistema nervoso periférico são a disgeusia, isto é, a diminuição da capacidade de paladar (5,6%) e a hiposmia, ou baixa sensibilidade olfativa, (5,1%). Porém como os testes olfativos e de sabor não fazem parte dos exames gerais de saúde, os médicos precisam confiar nos relatórios de pacientes, o que pode levar a uma análise estatística subestimada desses sintomas.
Na experiência da neurologista, a perda de olfato e paladar aconteceu de forma súbita e total após o quarto dia do início dos demais sintomas, que de modo geral restringiram-se a febre e tosse. “Estava assistindo a um filme, minha filha fez pipoca e eu não senti nem o cheiro e nem o gosto da pipoca. Foi aí que percebi o sintoma e então passei a me observar”. Após 20 dias do início da doença, ela notou um retorno leve na percepção do sabor principalmente para alimentos condimentados, mas o olfato não melhorou. Depois de 30 dias sem melhora no olfato, Viviane realizou um teste de Sniffin Sticks, exame que submete o paciente a diferentes cheiros e produz um score de acertos e erros. O resultado foi compatível com hiposmia.
O mecanismo que converte os estímulos em olfato e paladar é uma sequência complexa de processos com mediadores bioquímicos induzidos pela presença de partículas. Segundo a especialista, as
Mesmo após a cura dos demais sintomas e a realização de diversos exames que demonstram uma boa resposta imunológica do organismo ao coronavírus, Viviane ainda persiste com perda de paladar e olfato. “Apresento recuperação para alguns olfatos e paladares específicos, porém para outros posso dizer que é zero. Tenho dois cachorros e me balizo pelo fato de não sentir cheiro algum proveniente deles”, comenta.
Recentemente, especialistas da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, descobriram que o coronavírus ataca as células que fornecem suporte metabólico e estrutural aos neurônios sensoriais, bem como certas células-tronco e vasos sanguíneos. O estudo, publicado na revista científica Science Advances, indica que o vírus altera o sentido do olfato nos pacientes não infectando diretamente os neurônios, mas afetando a função das células de suporte.
A combinação de anosmia e ageusia pode impactar significativamente a qualidade de vida em pacientes sobreviventes e, de acordo com a neurologista, deve ser considerada uma bandeira vermelha para o diagnóstico diferencial de síndromes respiratórias agudas, sugestivo de coronavírus. “As razões para isso ainda não são claras. Esperamos que mais casos, séries e pesquisas se concentrem em informações prognósticas sobre sintomas e seu valor para o desenvolvimento de doenças específicas no futuro”.
Covid-19 e sistema nervoso
O estudo que aponta cerca de 36% de pacientes apresentando complicações neurológicas decorrentes da covid-19 revela que a maior parte dessas questões está relacionada ao comprometimento do sistema nervoso central, sendo mais frequentes as tonturas (16,8%) e dores de cabeça (13,1%). Segundo a publicação, os sintomas neurológicos são significativamente mais comuns em casos graves em comparação aos menos severos. “Esses pacientes também apresentavam alto nível de dímero D no sangue e menor número de linfócitos. Ambos foram implicados como tendo um papel potencial na fisiopatologia AVC em pacientes com covid-19 e como mecanismo de possível imunossupressão”, comenta a neurologista.
“Percebemos que a covid-19 pode afetar tanto o sistema nervoso central como o periférico. Há muitos eventos trombóticos e pró-trombóticos que têm capacidade de ocasionar microtromboses e até Acidente Vascular Cerebral (AVC)”, menciona a neurologista destacando que os estudos atuais estão bastante focados na sobrevivência do paciente, mas que em breve devem passar a relatar com mais profundidade as sequelas que a doença pode deixar.
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