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Nota da Comissão de acompanhamento e controle de propagação do novo coronavírus na UFPR sobre o uso de máscaras caseiras pela população

Nota da Comissão de acompanhamento e controle de propagação do novo coronavírus na UFPR sobre o uso de máscaras caseiras pela população

Nos últimos dias, muitas dúvidas têm surgido sobre a eficácia do uso de máscaras caseiras para dificultar a disseminação do novo coronavírus e em pronunciamento realizado ontem (31/03/2020), o Ministro da Saúde informou que o Ministério disponibilizará em breve protocolo sobre o uso de máscaras caseiras. Por isso fizemos uma pesquisa mais abrangente no sentido de avaliar objetivamente os prós e contra do uso da máscara. 

1. Há fundamentação científica para o uso indiscriminado de máscaras por todas as pessoas?

A OMS até esse momento (01/04/2020) não fez recomendação de uso de máscara cirúrgica por pessoas saudáveis, e sim apenas por pessoas apresentando sintomas da COVID-19, para dificultar a disseminação do vírus. As máscaras cirúrgicas (confeccionadas com várias camadas de TNT especial para essa finalidade e com camada de filtro de retenção bacteriana, que se molda ao rosto das pessoas e se prende por meio de elástico), quando usadas por pessoas que apresentam sintomas gripais, dificultam a liberação de gotículas contaminadas da orofaringe (originadas pela fala e tosse) para o ambiente, pois o nariz e boca estarão cobertos pela máscara. No entanto, as máscaras cirúrgicas, quando usadas por pessoas não infectadas, conferem baixa proteção contra a infecção dessas pessoas saudáveis pelo novo coronavírus, pois não há vedação total para o nariz e a boca, caso entrem em contato com gotículas da orofaringe de pessoas doentes. Para pessoas saudáveis, no máximo, a máscara cirúrgica serviria como uma barreira mecânica que não veda totalmente o contato com as gotículas que fossem espalhadas por pessoas doentes que não estão usando máscara em um contato próximo (de menos de 2 metros). Por isso, a OMS fez a recomendação de distância de cerca de 2 metros entre pessoas. 

O Centro de Controle de Doenças da China recomenda desde o início do surto em seu território o uso de máscaras por todos (com sintomas e sem sintomas) quando houver necessidade estrita de sair a locais públicos, mas orienta expressamente que isso seja feito paralelamente à manutenção das medidas de distanciamento social e de higiene de mãos e superfícies. Levando-se em consideração que a China tem sido exemplo mundial de contenção da propagação do novo coronavírus (tendo desde 12/03 declarado oficialmente o fim da epidemia em seu território) e que há evidências robustas de transmissão assintomática do novo coronavírus o uso indiscriminado de máscaras por todos (com sintomas e sem sintomas) poderia, contribuir para diminuir a liberação de gotículas contaminadas no ambiente, embora não seja precisa o grau de proteção já que ainda não há estudos a respeito. A transmissão assintomática se dá por pessoas que estão infectadas mas ainda não desenvolveram sintomas da doença ou que desenvolverão um quadro com sinais e sintomas muito leves, a ponto de não serem diagnosticadas clinicamente, e tem sido considerada a principal forma de transmissão da COVID-19.

Nesse sentido, o uso da máscara não conferirá mais proteção direta a quem está saudável e fazendo uso dela (e mantendo a recomendação de distância de 2 metros entre pessoas), mas poderia conferir proteção indireta a todos, pois pessoas infectadas, inclusive as completamente assintomáticas (mas que ainda podem transmitir o vírus), teriam suas gotículas contaminadas contidas pelo uso de máscara. E qualquer um de nós, nesse momento em que não estão sendo feitos testes amplos para detecção do vírus na população, poderíamos estar portadores assintomáticos e transmissores do vírus.

Uma grande preocupação da OMS (até 01/04/2020), quando os governos fazem recomendação de uso de máscaras por pessoas saudáveis, é que as máscaras cirúrgicas comerciais, que são um recurso limitado nesse momento de grande demanda, precisam estar disponíveis para o uso por pessoas doentes e por profissionais da área de saúde (que estão sob grande risco de serem infectados). Quando os profissionais da saúde, que estão tratando as pessoas doentes, adoecem, assim como a falta de leitos e respiradores em hospitais, pode levar ao colapso do sistema de saúde no país.  Isso nos leva à próxima questão.

 

2. Qual seria a eficácia de máscaras faciais caseiras de tecido?

Os estudos realizados com diferentes tecidos até agora têm mostrado baixa eficiência de barreira para ENTRADA de partículas pequenas (chamadas de aerossóis). Por exemplo, máscaras feitas de tecidos (camiseta de algodão, lenço, toalha)  permitiram a entrada de 74 a 90% dos aerossóis. Para medidas de comparação, máscaras do tipo N95, nesses mesmos experimentos, permitiram a entrada de apenas 0,12% dos aerossóis. Isso indica que a proteção direta conferida às pessoas saudáveis que fazem uso de máscara de tecido seria possivelmente baixa. 

Com relação à SAÍDA de partículas pelas máscaras de tecido caseiras de algodão, um estudo publicado em 2013 (Disaster Med Public Health Preparedness. 2013;7:413-418) avaliou o potencial de liberar microrganismos como bactérias através das máscaras caseiras e cirúrgicas ao tossir e observou que a máscara cirúrgica reduziu em 85% a eliminação de bactérias para o ambiente, enquanto a máscara caseira feita com tecido de algodão (de camiseta) reduziu em 78% a eliminação de bactérias no ambiente. Como a liberação dessas bactérias dos voluntários envolvidos nos estudos tem relação direta com a liberação de gotículas por meio das máscaras, o estudo concluiu que, mesmo que EM MENOR GRAU que as máscaras cirúrgicas, as máscaras de algodão poderiam contribuir diminuindo a disseminação dessas gotículas no ambiente. O estudo realizado teve algumas limitações descritas pelos autores: 1) não é possível inferir que resultados similares poderiam ser observados para a liberação de vírus, visto que no estudo anterior, partículas entre 0,02 a 1 micrômetro não eram bloqueadas pela máscara de pano; 2) a umidificação excessiva das máscaras podem levar à liberação de partículas virais das gotículas presas na máscara pelo fluxo respiratório e o efeito disso em máscaras caseiras utilizadas por um longo período de tempo não foi avaliado; 3) o grupo avaliado foi pequeno (21 voluntários) e feito com indivíduos saudáveis (de modo que mesmo a carga bacteriana expelida sem máscara nenhuma foi baixa, portanto usando uma carga de desafio baixa para a observação de retenção de gotículas da orofaringe);

3.Um possível uso indiscriminado de máscaras caseiras de tecido substituiria outras medidas de prevenção?

É importante frisar que todos os estudos indicam que o uso de máscara, cirúrgica ou caseira, NÃO SUBSTITUIR A NECESSIDADE DE TODA A POPULAÇÃO MANTER AS MEDIDAS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL, DE HIGIENE DAS MÃOS, DE ETIQUETA DE TOSSE, E DE HIGIENIZAÇÃO DE SUPERFÍCIES, que devem ser estritamente seguidas. O uso da máscara é uma medida complementar a todas essas que, em conjunto, são nossas principais armas para combater o vírus SARS-CoV-2 causador da COVID-19 para o qual não dispomos de vacina e nem medicação comprovadamente eficiente.

4.Quais tecidos são recomendados para confecção de máscaras caseiras?

Até o momento, os tecidos avaliados por diferentes autores que trouxeram alguma capacidade para reduzir a liberação de gotículas para o ambiente sem causarem grande desconforto respiratório para os usuários foram algodão 100% (camiseta e pano de prato de trama mais grossa). Mais recentemente tem-se usado TNT.

5.Como as máscaras caseiras de tecido não-descartáveis devem ser usadas? Qual risco a população corre ao não usar corretamente?

O modo de uso seria o mesmo indicado para máscaras cirúrgicas comerciais. De forma resumida:

– Antes de colocar a máscara, lave suas mãos com água e sabão;

– Cubra sua boca e nariz com a máscara, verificando se não há espaços soltos entre a máscara e sua face;

– Evite tocar na máscara enquanto estiver fazendo uso dela e se tocá-la, lave suas mãos com água e sabão;

– Substitua sua máscara assim que perceber que ela ficou úmida; por ser uma máscara caseira de tecido, recomendamos que ela seja lavada com água e sabão e seja bem seca antes de reutilizar; 

– Para retirá-la, não toque na parte da frente da máscara, remova segurando pelo elástico ou pela fita que a amarra, e se não puder lavar imediatamente, coloque em saco plástico separado até o momento em que for lavar (o mais breve possível); 

– Assim que retirar a máscara, lave suas mãos com água e sabão.

 

AS MÁSCARAS, SE NÃO FOREM MANIPULADAS COM OS CUIDADOS DESCRITOS ACIMA, PODEM CONSTITUIR FÔMITES PARA A DISSEMINAÇÃO DO NOVO CORONAVÍRUS. 

 

Conclusão e recomendação da Comissão

Como foi observado máscaras de tecido caseiras constituem, embora menor que o de máscaras cirúrgicas, uma barreira à liberação de gotículas maiores da orofaringe pelos usuários, e considerando a existência de transmissão do novo coronavírus por pessoas assintomáticas, apoiamos e recomendamos  o uso delas pela a população. Ressaltamos que devem ser manuseadas corretamente, que a população continue praticando as medidas de distanciamento social e que continue executando as medidas de prevenção relacionadas à higiene das mãos e das superfícies. Reforçamos que a recomendação dos tecidos a serem utilizados deve ser seguida a partir de instruções do Ministério da Saúde. 

 

Links consultados:

https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses

http://www.chinacdc.cn/en/COVID19/202002/P020200310326809462942.pdf

https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/when-and-how-to-use-masks

https://academic.oup.com/annweh/article/54/7/789/202744

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2440799/pdf/pone.0002618.pdf

https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/0921A05A69A9419C862FA2F35F819D55/S1935789313000438a.pdf/testing_the_efficacy_of_homemade_masks_would_they_protect_in_an_influenza_pandemic.pdf

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