No Dia Internacional da Democracia, a UFPR inaugura série de reportagens em que explica, com o auxílio de seus professores, o conceito de soberania nacional, em seus variados vieses
A dependência do Brasil pelo comércio exterior ficou ainda mais escancarada diante da recente decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar novas tarifas sobre produtos brasileiros. A medida atinge setores estratégicos, como o aço, o alumínio e parte do agronegócio, e abriu espaço para discussão sobre a soberania econômica. Mas afinal: o que é, de fato, a soberania, quando se trata de assuntos econômicos?
O termo refere-se a um princípio previsto na Constituição brasileira e significa, de forma simples, a autonomia que um país deve ter para decidir os rumos de sua própria economia. Trata-se da ideia de que as escolhas sobre produção, comércio e desenvolvimento devem priorizar os interesses nacionais.
O doutor em Desenvolvimento Econômico e Comércio Internacional, Mauricio Vaz Bittencourt, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que, no entanto, em um mundo cada vez mais conectado, onde países dependem uns dos outros para vender e comprar produtos, essa soberania absoluta é difícil de ser alcançada.
“Claro que a economia precisa ser administrada pelo próprio país, mas se fechar para o mundo ao redor é contraproducente. Um exemplo é quando pensamos na possibilidade da troca da moeda referência que é o dólar por um criada pelo BRICS ou até mesmo o Yuan, da China. Ficaremos dependentes de qualquer forma a outra economia. Por isso, avalio o conceito de soberania econômica como utópico”, conclui.
Apesar da realidade frear qualquer tipo de decisão radical, governos pelo mundo têm buscado preservar sua independência diante das atitudes do presidente Donald Trump. Uma missão considerada difícil pelo professor: “a soberania econômica não pode significar se isolar do mundo, mas sim garantir que o país tenha condições de tomar decisões em benefício da sua população”.
As tarifas de importação de 50% impostas pelos Estados Unidos sobre o Brasil completaram um mês no início de setembro. A estimativa do governo brasileiro é de que ao menos 36% das exportações nacionais tenham sido afetadas. Entre os setores mais atingidos estão carne bovina, frutas, roupas, calçados e itens agrícolas.
Como resposta, o Governo Federal lançou uma linha de crédito de R$30 bilhões (equivalente a cerca de US$5,5 bilhões) para apoiar os exportadores prejudicados. Além disso, ativou a Lei de Reciprocidade, que permite medidas de retaliação contra os EUA.
A Casa Branca argumenta que a medida foi adotada em resposta a ações do governo brasileiro, que representariam uma “ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos EUA”. A justificativa, no entanto, não foi bem recebida por especialistas que afirmam não haver sentido já que os norte-americanos mantêm vantagens diante do Brasil há décadas.
“Os EUA exportam mais do que importam do nosso país. A agressividade do governo Trump ao impor tarifas dessa forma indica que não existem apenas interesses econômicos. É uma relação bem diferenciada”, afirma Virginia Fernandez, professora do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
As tarifas não atingem apenas as grandes empresas. Quando as exportações diminuem, toda a cadeia é afetada, desde os trabalhadores das fábricas até pequenos produtores que fornecem insumos. Com menor entrada de divisas no país, existe ainda ainda o risco de encarecimento de produtos importados, o que pode repercutir nos preços pagos pelo consumidor brasileiro.
Para enfrentar situações como essa, especialistas apontam alguns caminhos. O primeiro deles seria o Brasil diversificar seus parceiros comerciais, ampliando mercados na Ásia, África e América Latina para não depender excessivamente dos Estados Unidos e da Europa.
“Além de ampliar mercados é preciso desconcentrar a pauta de exportações, ou seja, diversificar os produtos exportados principalmente investimentos em inovação e tecnologia. Nessa direção penso que o Brasil precisa acelerar os tratados de livre comércio com outras regiões como com a União Europeia. Essa é uma medida que se arrasta há anos e precisa ser colocada em prática”, afirma Maurício Bittencourt.
Na avaliação de especialistas, a situação exige que o Brasil incentive a transformação de matérias-primas dentro do país — por exemplo, exportar aço já processado em vez de minério de ferro bruto — o que pode aumentar a renda nacional e reduzir a vulnerabilidade.
Outro ponto considerado importante é a atuação ativa em organismos internacionais de comércio, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), onde o Brasil pode contestar medidas consideradas abusivas e negociar em condições mais equilibradas.
“É preciso que o Brasil coloque em prática medidas concretas pensando no futuro e focadas em setores estratégicos como o de alimentos e recursos naturais. Sem exploração, mas sim uma utilização sofisticada incorporando maior investimento em pesquisa e desenvolvimento para agregar valor aos produtos. Além disso, é preciso investimento em infraestrutura pesada”, concluiu Virginia Fernandez.
Para o professor Mauricio Bittencourt, a crise das tarifas americanas tem funcionado como alerta. Se a vulnerabilidade atual expôs fragilidades, também abriu espaço para a oportunidade de transformar dependência em autonomia e usar a pressão externa como impulso para um projeto de desenvolvimento que combine industrialização, inovação tecnológica e diplomacia econômica ativa.
“As tarifas do Trump reforçam a necessidade de políticas concretas que fortaleçam a economia nacional e preparem o país para enfrentar crises semelhantes no futuro. O problema é que isso não se dá a curto prazo, o que gera incertezas e deve custar a saúde financeira de muitas empresas”, afirmou.
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