Quinta reportagem da série que explica, com o auxílio de seus professores, o conceito de soberania nacional, em seus variados vieses
A soberania é um dos pilares que sustentam os Estados modernos. Entre suas dimensões, a soberania jurídica ocupa um lugar central, já que é ela que garante que as leis sejam elaboradas, aplicadas e respeitadas dentro de seu próprio território, sem subordinação a normas externas que desconsiderem a Constituição. Em um Estado Democrático de Direito, esse princípio assegura que todas as decisões jurídicas estejam alinhadas à vontade democrática e à proteção dos direitos fundamentais, fortalecendo a autonomia institucional e a estabilidade social.
Para esse tema consultamos professores do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Todos concordaram ao definir que a soberania, sob o viés jurídico, mostra a capacidade que um país tem de organizar seu sistema de justiça de maneira independente.
“No Estado Democrático de Direito as normas jurídicas que pautam as relações sociais são elaboradas pelo povo, diretamente ou por meio de seus representantes eleitos. Isso diz respeito às normas que definem como esse povo deseja viver, define soberanamente os princípios que balizam a atuação do Estado e os direitos fundamentais garantidos universalmente aos seus cidadãos e cidadãs. Dessa forma, afirmar que um Estado tem soberania jurídica é garantir que a vontade do seu povo seja respeitada por meio da supremacia da Constituição, e da aplicação de suas leis”, afirmou Ana Carolina Lopes Olsen, do Departamento de Direito Público da UFPR.
Esse princípio não apenas reforça a independência do Judiciário, mas também garante que a cidadania seja exercida em consonância com regras claras e legítimas. Sem essa autonomia, o Estado de Direito ficaria fragilizado, abrindo espaço para interferências externas ou internas que comprometeriam a igualdade e a justiça. “Um Estado cujas instituições cedem a pressões externas para descumprir suas próprias normas não é um Estado de Direito, eis que não respeita o seu próprio ordenamento jurídico, nem é um Estado Democrático, pois despreza as normas criadas pelo seu próprio povo”, disse Daniel Wunder Hachem, Diretor Acadêmico do Núcleo de Investigações Constitucionais do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR.
A autonomia do sistema legal e político brasileiro para elaborar leis, aplicar políticas públicas e resolver conflitos de acordo com a Constituição deixou de ser discutida apenas em ambientes acadêmicos, e ganhou corpo também nas disputas econômicas internacionais.
Um exemplo atual está na reação brasileira ao “tarifaço” e às pressões exercidas pelos Estados Unidos em temas de comércio. Ao impor barreiras alfandegárias ou tarifas elevadas sobre determinados produtos, o governo norte-americano alega buscar defender seus interesses econômicos e forçar parceiros comerciais a se adequarem às suas regras. O Brasil, porém, tem se posicionado de maneira firme, utilizando ferramentas jurídicas no âmbito internacional para contestar medidas consideradas abusivas.
Apesar dos EUA argumentarem razões econômicas para as medidas, os professores alertam que é a política que está em jogo, uma vez que sanções diretas a membros do Supremo Tribunal Federal escancaram as verdadeiras intenções norte-americanas.
Para Ana Olsen, as pressões representam uma violação dos princípios da Carta da ONU – tratado internacional que vincula tanto o Brasil como os EUA – em especial no que diz respeito ao desenvolvimento de relações amistosas que não representem uma violação da autodeterminação dos povos.
“A supremacia para aplicar as normas, responder a violações de direitos, mais ainda, processar e punir aqueles que atentam contra os valores mais caros da nossa Constituição, não deve ser atingida. Dessa forma, entendo que o Brasil tem se saído bem, na medida em que o Estado mantém o funcionamento de suas instituições, a supremacia de sua Constituição e a aplicação de suas leis. Não deve mesmo se submeter a imposições infundadas vindas de outro Estado.”
Daniel Hachem afirma que as tentativas dos EUA de condicionarem relações comerciais com o Brasil ao resultado de decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal não geraram os impactos esperados por Donald Trump na forma de aplicação do Direito brasileiro pela Corte.
“O Governo Federal manteve sua postura diplomática, respeitando a separação dos Poderes e reafirmando que o Poder Judiciário atua com independência, como exige a Constituição. O STF, por sua vez, tem cumprido seu papel institucional sem se submeter a chantagens externas. Isso demonstra maturidade institucional e respeito à soberania jurídica do país por parte das instituições brasileiras”, disse.
A professora de Direito Constitucional Vera Karam de Chueiri concorda que o Governo do Brasil tem se comportado de forma equilibrada, mas destaca que nesse momento a prioridade é preservar a soberania da nação, fator inegociável na análise dela. “Não é possível que os EUA queiram determinar como sejam as coisas por aqui. É inadmissível que atitudes análogas ao período de colonização se repitam em pleno século XXI. O comportamento do governo de Donald Trump é desrespeitoso não só com o Brasil, mas com o Direito Internacional, e precisa ser enfrentado de forma inteligente.”
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A Universidade Federal do Paraná (UFPR) vem desempenhando um papel essencial no fortalecimento do debate público sobre a soberania. A produção acadêmica no campo do Direito, fruto de pesquisas, aulas e projetos de extensão, contribui para aproximar a comunidade científica, a sociedade civil e as instituições democráticas. A universidade atua como espaço de reflexão crítica e de articulação, estimulando a compreensão de que o Direito não é apenas um campo técnico, mas também social e político.
Um exemplo concreto desse esforço foi o ato realizado no Salão Nobre da UFPR em 12 de agosto, que reuniu representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB-PR), movimentos sociais e lideranças da comunidade acadêmica. O encontro foi marcado por debates em defesa do Estado Democrático de Direito e da soberania jurídica, ressaltando a importância da universidade como mediadora entre o saber científico e a sociedade.
“É preciso ter clareza no sentido de que não existe soberania jurídica absoluta, tendo em vista que o Estado Brasileiro assume compromissos internacionais de várias naturezas. O que não se pode admitir é o condicionamento das práticas internas por manifestações arbitrárias, sem fundamento, a partir de interesses que não são sequer transparentes pois não são juridicamente defensáveis”, concluiu Ana Olsen.
Já Vera Karam avalia que o Brasil é uma nação soberana, inclusive no âmbito jurídico, cabendo a ele apenas preservar essa posição e destacá-la para o mundo como consolidada. “Nós temos uma Constituição plenamente estabelecida que se estrutura pela dignidade da pessoa, da igualdade e da liberdade sobre o princípio republicano. Uma Constituição que nos constitui como comunidade política e que nos dá voz. O Brasil não precisa fazer mais nada”, concluiu.
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