UFPR produz série de reportagens em que explica, com o auxílio de seus professores, o conceito de soberania nacional, em seus variados vieses
A crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos reacendeu nos últimos meses os debates sobre os diversos âmbitos da soberania nacional. Entre eles, está o assunto da soberania digital, levantando questionamentos sobre a dependência do estado brasileiro das chamadas “big techs”.
O assunto ganhou mais força após a divulgação de um estudo da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB), que revelou que, em 11 anos, o país gastou R$ 23 bilhões na contratação de tecnologias estrangeiras como licenças de software, serviços de nuvem e aplicações de segurança. Mas algumas questões sobre essa temática ainda podem gerar dúvidas, sobretudo quanto ao que realmente é a soberania digital e sua importância para uma nação.
De forma simples, a soberania digital é a capacidade de um país controlar e proteger seus dados, suas tecnologias e sua infraestrutura digital, em vez de depender totalmente de empresas ou governos estrangeiros. O conceito envolve pontos como a proteção de dados pessoais, a segurança contra ataques cibernéticos, o desenvolvimento de infraestrutura própria (como servidores e satélites) e a autonomia tecnológica para reduzir as dependências externas.
O professor Fabiano Silva, do Departamento de Informática da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que as interferências externas no âmbito digital são comuns, em maior ou menor grau – o que indica que uma soberania digital plena pode ser algo difícil de alcançar. Mas um maior controle de uma nação sobre seus ativos digitais garante uma maior segurança.
“Hoje vivemos em um cenário onde o nosso país não tem essa independência, essa autonomia. A gente consome muita tecnologia de fora, muitos serviços, então não somos autossuficientes nesse cenário da questão de sistemas digitais, de proteção de dados, de segurança dos dados”, afirma. “A questão da soberania digital tem a ver com múltiplos eixos, como a privacidade dos indivíduos, os bens públicos digitais, ou seja, essas informações que circulam em torno do Estado brasileiro, da sociedade brasileira, que são de propriedade nossa”.
Em um mundo hiper conectado como o que vivemos hoje, a autonomia de um país sobre seus serviços digitais é importante não só para proteger a segurança nacional e a privacidade dos cidadãos, mas também a economia e serviços essenciais como saúde e energia. O professor Marcos Castilho, do Departamento de Informática da Universidade Federal do Paraná (UFPR), fala sobre os riscos de um país não ter o controle sobre seus dados e outros ativos digitais.
“Imagine uma fibra óptica rompida, ou mesmo ações deliberadas para ameaçar nossa soberania, tais como temos vivenciado concretamente nos últimos meses, com tarifaço, ameaças à soberania nacional com ataques ao STF, etc. Mesmo o controle das publicações em redes sociais criminosas passa por retaliações severas”.
Para o professor, o Brasil não está em um caminho de alcance da soberania digital. Embora existam alguns grupos que promovam o debate, o país ainda é muito dependente de empresas estrangeiras no fornecimento de serviços digitais.
“Publicações recentes na imprensa mostram que mais de 80% dos dados públicos brasileiros estão hospedados nas chamadas ‘big techs’. Além disso, boa parte das soluções computacionais são compradas de empresas estrangeiras, notadamente norte-americanas. Isto leva a uma profunda dependência destas empresas gerando um aprisionamento tecnológico nefasto. O debate hoje está muito tímido, baseado em iniciativas de pequenos grupos. Embora esta temática apareça no executivo e legislativo eventualmente, não há ações concretas para caminharmos no sentido oposto”, afirma.
Apesar desta dependência, Fabiano Silva dá o exemplo do PIX como uma iniciativa que mostra que o país pode desenvolver soluções tecnológicas próprias. Esta forma de pagamento instantâneo surgiu como uma alternativa para o sistema bancário que não depende de empresas internacionais de serviços financeiros.
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“A gente gerou uma tecnologia interna com perspectiva até de exportar isso para outros cenários e outros países. Isso vai nessa linha de ter essa autonomia e independência, gerar tecnologia própria, ter massa crítica no país, cabeças pensantes e um corpo técnico capaz de desenvolver essas soluções. Ter pessoal capacitado é um dos caminhos para se conquistar essa noção de soberania e independência”, afirma.
Os docentes Marcos Castilho e Fabiano Silva são integrantes do Centro de Computação Científica e Software Livre (C3SL) da UFPR, que participa ativamente da produção de estudos sobre soberania digital. Desde sua criação, em 2002, o centro vem produzindo uma série de soluções computacionais que transferem tecnologia para a sociedade brasileira. Os pesquisadores também publicam em formato de software livre todo pacote de software resultante dos estudos.
Ao longo dos últimos anos, o C3SL desenvolveu diversos projetos, como a instalação do sistema operacional Linux em todas as escolas brasileiras, o monitoramento das conexões de Internet satelital do sistema GSAC e a rede social dos professores brasileiros, o portal chamado MECRED.
Para Fabiano Silva, o uso de softwares livres é essencial na produção científica como um todo, pois a falta de acesso ao funcionamento de um software que será utilizado para obter resultados para uma pesquisa não gera total segurança sobre os dados obtidos.
“Esse caminho do software livre me permite nessa investigação, essa exploração de como aquilo foi feito, se está fazendo de fato aquilo que se pretende e que é totalmente auditável e alterável e customizável. Ou seja, me permite, da perspectiva científica, construir novos artefatos, evoluir essas soluções para gerar soluções melhores”.
Atualmente, o C3SL está colocando em produção um sistema de mensageria chamado MATRIX, desenvolvido em software livre pelo governo da França; e também uma nova suíte para nuvens, denominada Nextcloud, que tem o objetivo de substituir as soluções corporativas das big techs com alta qualidade. A plataforma deve disponibilizar chats, editores de texto, planilhas, apresentações, e-mail e calendário.
Um outro projeto dentro da UFPR que envolve o uso de software livre é o Participa UFPR, uma plataforma digital voltada à promoção da participação social e democrática na tomada de decisões institucionais. A ferramenta foi baseada no software livre Decidim, que é utilizado em cidades como Barcelona, Nova York e Helsinque, além de universidades como a Université de Bordeaux, da França, e o governo federal, no Plano Nacional de Cultura.
“Estas iniciativas permitem que os nossos dados voltem para nosso controle, além de gerar uma brutal economia com gastos com as big techs”, afirma Marcos Castilho, coordenador do C3SL. “Mas, em última instância, permitirá um poder maior de resistência contra estas tentativas de violar nossa soberania nacional, não apenas a digital, vide a afronta que estamos sofrendo com o tarifaço. Cabe lembrar que os dados são hoje mais valiosos que o petróleo”.
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