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Da nuvem de gafanhotos ao enxame em alto mar: pesquisador da UFPR explica o fenômeno da migração de insetos

02 julho, 2020
10:11
Por
UFPR

Na última semana, a possível chegada de uma nuvem de gafanhotos ao Brasil despertou curiosidade e revelou a importância do estudo dos insetos no equilíbrio ambiental. 

O professor Ângelo Parise Pinto, entomólogo do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que o fenômeno da nuvem de gafanhotos é natural. Porém, intervenções humanas na agricultura podem favorecer o acúmulo de certas espécies. “A agricultura existe há 10 mil anos. A alteração que fizermos nos ecossistemas naturais favorece as explosões de insetos. Favorecemos alguns, mas prejudicamos outros”, explica Parise 

O pesquisador ressalta que grandes áreas de plantação de um único produto (sem nenhuma barreira, como florestas), a estiagem prolongada e o aumento de temperatura na região sul do continente americano tornaram o ambiente extremamente favorável aos gafanhotos. 

Outros insetos também são conhecidos por fazerem grandes deslocamentos. A borboleta Monarca, na América do Norte, viaja milhares de quilômetros para depositar seus ovosJá as libélulas formam nuvens gigantescas e se deslocam por centenas de quilômetros ao longo do dia, inclusive à noite. 

Exemplares dos gafanhotos migratórios encontrados no Brasil. Acervo da Coleção Entomológica Padre Jesus Santiago Moure, Departamento de Zoologia da UFPR, coletados em 1947 e 1988, respectivamente. Fotos – Ângelo Parise Pinto

 

Existem aproximadamente 7 mil espécies de gafanhotos no mundo. Cerca de 20 delas são chamadas de locustas, grupo que se organiza em nuvens. No Brasil ocorrem duas delas: a Rhammatocerus schistocercoides  e a Schistocera cancellata,  sendo a segunda a responsável pela nuvem que está na Argentina. 

Ângelo explica que para compreender a organização dos gafanhotos em nuvens, é necessário conhecer a estrutura e os hábitos desses insetos. As locustas têm alterações fisiológicas e comportamentais de acordo com a densidade populacional das espécies. O pesquisador explica que, desde a fase de ninfa, esses insetos já se organizam em grandes grupos. Ao surgirem as asas, elepassam a percorrer longas distâncias, chegando a 200 quilômetros em um só dia.   

docente destaca que a migração envolve uma finalidade, como a busca de alimentos; e uma direção, que é influenciada pelas correntes de vento e pelo clima. Quando uma massa de ar mais quente e outra maifria colidem aumenta a chance de chuvas e da oferta de recursos. 

O que pode explicar a explosão nos países vizinhos é a recorrência de estiagens prolongadas e o aumento das temperaturas na América do Sul. Isso faz com que uma área geográfica maior reúna condições adequadas para a nuvem em relação a anos anteriores. Essas explosões não são consequências de fenômenos atuais. Foram anos seguidos de oportunidades, de algumas condições que favoreceram essas populações, gerando esse surto todo”, enfatiza o docente da UFPR. 

Parise conta que esses insetos ocorrem regularmente no continente e que o fenômeno de migração faz parte do processo seletivo. “A questão, no momento, é saber quais elementos estão afetando o meio ambiente, que podem propiciar que essas nuvens sejam mais frequentes, maiores e que podem trazer mais danos”, alerta. 

Reprodução do Jornal Correio da Manhã de 01 de outubro de 1946. Acervo Biblioteca Nacional

O pesquisador lembra que a região sul do Brasil já vivenciou algo parecido na década de 1940, com relatos de aparecimento da nuvem no Paraná.  À época, a região recebeu a visita do Exército e do Instituto Biológico de São Paulo, a fim de evitar que a invasão chegasse às lavouras paulistas. Na reportagem do Jornal Correio da Manhã de 1º de outubro de 1946, ainda havia a recomendação aos agricultores para o uso de inseticidas, “principalmente dos novos produtos aparecidos na última guerra”.

Conforme explica o docente da UFPR, por muito tempo foi difícil estudar esse fenômeno, devido ao tamanho pequeno desses animais e à migração noturna de muitas espécies, o que dificultava a visualização. Uma técnica que trouxe evolução às pesquisas foi o desenvolvimento de radares, que conseguem mapear e estudar detalhadamente o fenômeno de migração dos insetos.  

Parise publicou no ano passado um estudo que procura entender um grupo demográfico muito pouco compreendido: insetos que migram por centenas de quilômetros de oceano aberto.  

O caso aconteceu em 2016 no navio Cruzeiro do Sul, da Marinha do Brasil. Uma equipe de botânicos voltava ao continente a partir de uma estação de pesquisa na Ilha da Trindade, que fica a 1200 km do litoral do Espírito Santo. Quando eles acenderam as luzes, o enxame surgiu. A maioria dos insetos bateu na lateral do casco e caiu no oceano, mas alguns ficaram no convés. No momento da coleta, o Cruzeiro do Sul estava a 764 quilômetros de Trindade e 389 quilômetros do continente. 

Área do litoral brasileiro onde houve o incidente no navio Cruzeiro do Sul. À direita, a Ilha de Trindade e ao centro, o ponto onde apareceu o enxame. Foto – Google, Landsat Copernicus

O entomólogo da UFPR ajudou seus colegas identificar os insetos coletados no navio: uma libélula, três mariposas e 13 percevejosA equipe comprovou ainda que o navio não transportava os insetos, o que torna o entendimento do fenômeno ainda mais complexo. Algumas perguntas permanecem sem resposta, mas sabe-se que vários fatores estimulam a migração: a genética, a disponibilidade de alimentos e o local de ocorrência dos insetos, uma vez que alguns eram nativos da Ilha de Trindade e outros do Brasil continental. 

Embora haja consequências econômicas e ambientais, os gafanhotos próximos ao Brasil não trazem prejuízos diretos à saúde humanaPor isso, o professor Ângelo Parise alerta que os insetos não são vilões que as mudanças no planeta causadas pelo homem propiciaraalteração e distribuição de suas populações. “Os insetos formam um dos conjuntos de espécies mais bem sucedidos na história do nosso planetaEles são importantes para manutenção do clima dos ecossistemas. Essa nuvem, por exemplo, pode ser fonte de proteína para outras espécies. Por isso, temos que analisá-la sobre todos os aspectos”, conclui o pesquisador. 

Crédito da foto em destaque: Governo da província de Córdoba (Argentina) 

Por Louiselene Meneses, com orientação de João Cubas 

  

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