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Para Boaventura de Sousa Santos, tempos de “bifurcação” como os atuais são os que mais pedem análises sociológicas

31 agosto, 2018
18:50
Por
Ciência e Tecnologia

“É um sistema de bifurcação em que nos encontramos agora, em que ocorrem mudanças sistêmicas importantes”. Assim o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos definiu o momento atual, classificado por ele como de crise democrática no mundo todo, durante a palestra concedida no Prédio Histórico da UFPR, nesta quinta-feira (30) à noite.

Autor de estudos nas áreas de sociologia do direito e economia — na obra “Direito do Oprimido”, foi observador participante em uma comunidade carioca durante a ditadura –, Santos avalia que a crise democrática é um exemplo de momento em que a investigação sociológica se faz ainda mais importante. “São os temas [da bifurcação] que temos de compreender melhor”.

A uma plateia lotada no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFPR, o pesquisador sustentou que a crise em questão decorre de uma inversão de forças entre democracia e capitalismo. Segundo ele, a expansão da democracia foi, na década de 1930, um motivo central entre os que viabilizaram direitos sociais por meio da social-democracia. O acordo original que “regulou tensões”, afirma Santos, previa que a democracia seria reguladora do capitalismo.

No seu entender, foi essa oposição que permitiu conciliar os princípios do capitalismo (busca por lucro) e da democracia (participação popular).

“O capitalismo regulador, que diz até onde ir a democracia, força a democracia a se ajustar às necessidades do capitalismo, algo impensável 20 anos atrás. Quando a ‘reação dos mercados’ passou a ser mais importante do que a reação dos cidadãos?”, questiona.

Mercados

Essa inversão, segundo Santos, levou a outras distorções no interior dos países democráticos. Uma delas está na relação entre dois sustentáculos da democracia, “mercados que não podem se confundir”: política e valor-mercado. Santos descreve a política como um mercado mantido por “convicções que não se compram nem se vendem, são valores e cada um tem o seu” –, isto é, o oposto do valor-mercado. “Em tempos complicados, os mercados começaram fundir-se um no outro. Hoje na política tudo se compra e tudo se vende e a corrupção é endêmica”.

O resultado disso, para o sociólogo, são manipulações na participação popular, como fraudes eleitorais e impedimento de manifestações, e sobre os direitos sociais. “Em algum momento o processo político deixou de ser certo [ter regras certas] para garantir resultados incertos, para ser incerto de forma a garantir resultados certos”. Esse cenário é descrito por Santos por meio do conceito de “democracia de baixa intensidade”. “As democracias são esvaziadas, mas sem criar uma ditadura. Só que são esvaziadas de tal forma que não sabemos se estamos em uma ou outra, talvez numa ‘democradura’ ou algo do tipo”, brinca.

Reinvenção

Para Santos, a democracia precisa “se reinventar”. “Será preciso muita responsabilidade para os próximos tempos, temos que pensar em como fazer isso”, alerta.

Dizendo-se um otimista, o sociólogo lembrou o filósofo Baruch Espinosa, que pregava um equilíbrio racionalista entre medo e esperança. “Penso que a democracia só vai poder segurar-se com força se nós conseguirmos dar alguma esperança aos que só têm medo e incutir algum medo àqueles que só têm esperança”.

Ciência

Presente na palestra, o reitor Ricardo Marcelo Fonseca fez uso do conceito de Santos e mencionou aspectos que atingem as universidades públicas em momentos de “democracia de baixa intensidade”, entre os quais os cortes orçamentários (na expressão dele, “simbólicos”) e questionamentos fundamentados em “moralismo administrativo”, ambos mecanismos que avalia estarem sendo usados para intimidar instituições no Brasil.

O reitor destacou ainda dois fatos ocorridos no dia da palestra que marcam o momento do país, no entender dele de ataque à ciência a aos direitos sociais: o incêndio que destruiu o acervo do Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a votação do Supremo Tribunal Federal que permitiu a terceirização irrestrita dos postos de trabalho.

Ricardo Marcelo também ressaltou a necessidade de estudiosos que denunciam e analisam momentos históricos sensíveis, entre os quais Santos. “Boaventura de Sousa Santos é um intelectual que pensa de maneira crítica em um momento de crise”.

Assista a palestra na íntegra no canal da UFPR TV no YouTube:

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