Acostumados a revirar rótulos em busca das ameaças à sua saúde, brasileiros alérgicos a alimentos — um grupo crescente, hoje estimado em até 10% da população — tiveram uma demanda por mais transparência da indústria alimentícia atendida em 2016, quando entrou em vigor normativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o tema. A regra ajudou, mas nem todas as exigências estão sendo completamente atendidas por fabricantes de gêneros alimentícios com alto potencial alergênico. A conclusão é de um estudo realizado por um projeto de iniciação científica da UFPR ligado ao Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Produção, no Campus Jandaia do Sul.
O levantamento considerou as informações contidas nas embalagens de 72 alimentos recolhidos em cinco estabelecimentos de Jandaia do Sul, cidade de 21 mil habitantes. Todos de alto potencial alergênico, os alimentos foram classificados em cinco grupos, de acordo com a sua natureza: leites e derivados, pães, cereais, crustáceos e amendoins. Ao mesmo tempo, foram separados quatro indicadores baseados em obrigações legais: informações obrigatórias por lei; presença de advertência para alergênicos; indicação de traço de organismos geneticamente modificados; e atendimento ao consumidor.
A avaliação mostrou que nenhum grupo de alimento segue à risca as exigências legais, ainda que o percentual de conformidade seja alto. A principal exigência da Resolução nº 26/15 da Anvisa, por exemplo, é a obrigatoriedade de que o consumidor seja claramente advertido da presença de 17 ingredientes alergênicos em alimentos e bebidas (aviso “contém alergênico”) ou da eventual e possível presença de quantidade residual de alergênico (“pode conter alergênico”). A norma estabelece critérios de legibilidade e clareza das informações — o que também foi analisado no estudo. Assim como qualquer distúrbio causado por alimentos industrializados, as reações alérgicas recebem o nome de “efeito adverso” e podem ser notificadas à agência.
“No grupo de alimentos composto por leite e derivados, por exemplo, a conformidade com a normativa foi de 100%, o que é muito positivo por ser o grupo de maior expressão na ocorrência de alergias e intolerâncias. Mas, no grupo de cereais, essa conformidade foi de 80%. Aparentemente um percentual positivo, mas que implica avaliar que 20% dos produtos estão perigosamente candidatos a serem consumidos por um indivíduo alérgico. Portanto, trata-se de um percentual muito elevado”, conta o professor Raimundo Alberto Tostes, do curso de Engenharia de Alimentos, que coordena a pesquisa.
Percepção
Tanto a apuração quanto a análise estão sendo realizadas por estudantes de Engenharia de Alimentos do Campus Jandaia, com apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic). Segundo a aluna Pamela Henenge Czarneski, a escolha dos alimentos considerou a variedade com que os consumidores se deparam no dia a dia. A avaliação mostrou, por exemplo, produtos de consumo popular, como pipoca e amido de milho, sem qualquer advertência sobre o potencial alergênico dos ingredientes.
Uma das preocupações que embasou a pesquisa está no público que depende das informações sobre alergênicos. O percentual de alérgicos, por exemplo, é maior entre as crianças. Segundo a publicação “Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar” publicada em 2018 pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pela Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), a alergia alimentar atinge cerca de 6% dos menores de três anos, contra 3,5% dos adultos. Com base em estudos internacionais, já que há falta de pesquisas sobre a realidade brasileira, a Anvisa calcula que entre 6% e 8% das crianças brasileiras tenham alguma alergia alimentar.
“É preocupante o fato de, em quatro anos de legislação, ainda faltar adequações de tantas empresas, principalmente considerando que a alergia a alimentos tem aumentado a cada ano”, avalia a aluna Andressa Maranguelle Sergio, também de Engenharia de Alimentos. Atualmente há pesquisas que mostram aumento na incidência de alergias causadas por alimentos. A situação é chamada por alguns pesquisadores de “epidemia de alergia”.
A pesquisa terá duas etapas, sendo a primeira a avaliação das informações nas embalagens e, a segunda, ainda em andamento, a verificação das percepções de pessoas alérgicas sobre alimentos industrializados. A primeira etapa da pesquisa foi apresentada durante o 27º Evento de Iniciação Científica (Evinci), da UFPR. O trabalho também será divulgado no XV Encontro Regional Sul de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ERSCTA), que será realizado nos dias 28 e 29 de novembro no Centro Politécnico da UFPR, em Curitiba.
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