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Sob olhares infantis

Eu improviso o texto da peça As espertezas de Arlequim, apresentada no Festival de Inverno na segunda-feira: ‘Aí nós nadamos e chegamos do outro lado. Mas não tem um caminho. O que nós fazemos?’

Larissa, antoninense, de 9 anos, responde: ‘Voltamos para casa’.

Eu, exagerando os gestos: ‘Não. Nós abrimos caminho com o facão. E caminhamos, até encontrar um a tribo de índios médios. O que nós fazemos?’

Larissa: ‘Voltamos para casa’. Sussurro: ‘Fugimos’. Larissa corrige, em voz alta: ‘Fugimos!’.

Eu: ‘Não. Nós lutamos e matamos todos os índios e caminhamos até encontrar uma tribo de índios pigmeus. O que nós fazemos?’

Larissa: ‘Fugimos’. Sussurro de novo: ‘Não. Lutamos’. Larissa, decepcionada, corrige: ‘Lutamos.’

Eu: ‘Não. Fugimos. E caminhamos até encontrar um monstro de sete braços. O que nós fazemos?’

Larissa pula: ‘Essa eu sei, essa eu sei. Nós cumprimentamos os sete braços!’

Eu rio: ‘Não. Nós lutamos, cortamos os sete braços, a cabeça, o rabo, o tronco. O que sobra?’

Peço imediatamente para ela não dizer a resposta, porque é um palavrão. Mas ela sabe.

Boa parte das atividades do Festival, sejam peças de teatro, oficinas ou brincadeiras, são voltadas para as crianças. Elas levam impressas na retina imagens do Festival, que constroem um mosaico bem diferente do retrato feito pelo adultos.

Luíza, de 9 anos, por exemplo, viu 8 peças até agora. De uma, saiu no meio, por causa da linguagem do texto. ‘Essa não conta’, diz. A irmã de 5 anos, Valentina, também viu metade da peça com linguagem inadequada para crianças. Pergunto como deixaram ela ver. Ela responde: “Minha mãe não está aqui”. Da peça de que Luíza mais gostou, ‘Ópera de carvão e flor’, apresentada na terça feira, ela conta a história completa (veja texto abaixo).

Muitos festivais

As crianças são, normalmente, frequentadoras assíduas dos festivais. Gianna, de 11 anos, mora em São Paulo e tem avó em Antonina. Ela está no 5º festival. Já fez oficinas de música, barro, robótica e o Caranguejinho, duas vezes. A apresentação de que ela mais gostou foi a do grupo de MPB da UFPR. “Minha mãe participa de um coral em São Paulo e ela canta estas músicas”, explica.

Caroline Degan, 12 anos, também está no 5º festival. Moradora de Curitiba, ela sempre fica na casa da avó. Ela faz dança e patinação e, por isso, normalmente opta pelas oficinas de dança, como street e hip hop. A apresentação de que ela mais gostou, obviamente, foi a de dança Flamenca. “Foi a que mais me impressionou. Elas são super seguras quando dançam. Não ficam com medo de fazer coisa errada”. Caroline sonha ser atriz e ir para o Malhação, mas enquanto isto não acontece ela tem destino certo em julho. “Férias de julho têm um nome para mim: casa da minha avó e Festival de Inverno”. Ela faz aniversário no dia 14 de julho e sempre comemora em Antonina.

Lucas, 9, está no 7º Festival. Leonardo, 10, no 6º. Guilherme, 10, no 4º. Daniel 1 e Daniel 2 têm 10. Um está no 3º, outro no 2º Festival. Luiz tem 7 anos e dois festivais no currículo. Eles me cercam, na oficina de hip hop. Pergunto se eles já sabem os três elementos. Lucas me corrige: “Quatro elementos, mas eles querem incluir um quinto”. Quero saber quais são. Eles se esforçam, em grupo: “DJ, B. Boy, grafite e…” “e…” “e… professora”. A professora Carin socorre: “MC”. E o 5º elemento. “Consciência”, diz Lucas. Leonardo diz que escolheu a oficina de hip hop porque “é muito legal dançar hip hop, as danças, os movimentos”. Daniel 1 também faz hip hop, mas não escolheu. “Minha mãe que quis”, conta. Luiz é o mais novinho, mas garante que já paquerou “1000 gatinhas” no Festival.

Meninas

As meninas negam. Larissa, 9 anos, Camila, 9, e Brunna, 9, reclamam que os meninos brigam com a meninas e batem nelas. Por isso, não deixam eles chegarem perto e dizem não. “Ai que nojo”, diz Camila. Ela participa do Festival desde os 5 anos. “Ou menos”, não lembra com certeza. Ela gostou de brincar na praça. Das peças, “a mais massa foi o Arlequim”, conta.

Brunna é outra paulista. Tem avó na cidade e sempre vem visitá-la no Festival.

Larissa que fazer mudança na casa dela depois do Festival. Ela está fazendo oficina de Hip Hop. “Vou grafitar a minha casa. Já vou falar para a mãe comprar as coisas”, planeja. Ela também não aprova os meninos do Festival: “tudo chato, tudo feio. Tá fraco”, lamenta.

Carvão e flor, segundo Luíza, 9 anos

Um é escravo do homem do carvão, que ele chama de dragão, porque é muito bravo. Ele pega lenha na floresta. Ele coloca na fogueira para fazer carvão. Daí ele encontra o pai e conta que vai fugir. Então vai passar um trem pegar o carvão. Ele pega o trem e vai para a cidade grande. Lá ele passa fome. Daí ele encontra uma casa e diz: ‘moça, você tem café?’. ‘Não tenho café’. ‘Você tem alguma coisa para eu fazer? E ele ganha um copo de café. Tem outra história daí. Uma menina vende flores de farinha. Ela vai levar as flores e se perde e entra num restaurante. Daí tem um garçom bem legal. Ela fica com medo e se esconde, mas o garçom deixa comida. A avó está preocupada e procura a neta com um guarda. Mas ela é cega e não consegue ver. Então o guarda fica bravo com ela. A menina tem que fazer 100 flores. Ela tinha “fazido” 50. Mas a mulher diz que tem que fazer 100. Daí as duas histórias se encontram. Os dois se encontram na casa, onde a menina está presa. Ele enfia a mão e abre. Daí os dois caminham juntos. Eles acham o guarda, que dá para eles uma espada e uma flor. O menino mata o dragão e liberta todos. E os dois ficam juntos.

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Crianças construíram palco para show dos robôs da oficina Robótica sem mistérios
Foto: Bruno Rolim

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Fonte: Mário Messagi Jr