Com a Resolução 37/04, o Conselho Universitário da UFPR instituía o Plano de Metas de Inclusão Racial e Social e definia que, já a partir de 2005, os vestibulares da instituição deveriam disponibilizar 20% de suas vagas para estudantes negros e 20% para candidatos vindos da escola pública. Isso valendo para todos os cursos de graduação, técnicos e ensino médio oferecidos pela Universidade.
Esse sistema próprio de cotas da UFPR evoluiu, uniu-se a outras ações afirmativas da Universidade e, durante dez anos, garantiu o acesso e a permanência de estudantes em situação de desvantagem social no cotidiano acadêmico da mais antiga universidade brasileira.
A iniciativa que abriu os caminhos para maior inclusão social dentro da UFPR mostrou-se acertada. Em 2012, o Governo Federal criou a Lei de Cotas, de forma progressiva até 2016, com a reserva de 50% das vagas em todas as universidades e institutos federais garantida para alunos oriundos integralmente do ensino médio público – com recortes para famílias de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas. No processo seletivo 2015/2016, a UFPR já passou a utilizar os parâmetros da Lei Federal.
Mas será que esses avanços continuam quando o diploma universitário já está nas mãos? O que os egressos do sistema fizeram da oportunidade? Que relevância a UFPR teve em suas vidas? E como hoje veem as cotas?
Buscando disseminar um pouco da experiência desses egressos, o Portal da UFPR publica, durante as próximas semanas, alguns relatos que mostram o ponto de vista de quem vivenciou o sistema de cotas. A iniciativa é resultado de ideia da própria comunidade acadêmica, concretizada pela técnica Francine Rocha – também doutoranda em Educação pela Universidade e coordenadora da Assessoria a Projetos Educacionais e de Comunicação do Setor de Ciências Biológicas. O texto que segue é de autoria de Francine e certamente vale a leitura!
MARCELO BUENO BATISTA, 29 ANOS
pós-doutorando em Bioquímica pela UFPR
“Eu não tinha ideia do que ia fazer mas, no Cursinho, acabei me interessando por Biologia”, diz Marcelo. E tanto gostou da área que já emendou na graduação mestrado, doutorado e pós-doutorado (em andamento) na área de Bioquímica; todos cursados aqui na UFPR. Durante o doutorado, fez dois estágios fora do país: um na Argentina e outro na Inglaterra, onde mencionou o espanto dos integrantes do laboratório com a excelência do trabalho que desempenhava no laboratório; “e ele é do Brasil” diziam.
Marcelo destaca, entretanto, que percebia uma diferença inicial entre ele (e seus colegas cotistas) e os demais estudantes – em termos de formação instrucional. “O que eles aprendiam rapidinho, a gente tinha que se esforçar o dobro para entender o conteúdo. Mas todos nós nos dedicávamos ao máximo para avançar e todos do meu convívio conseguiram atingir suas metas”.
Outra diferença era o inglês, “logo nas primeiras aulas na graduação, os professores indicavam textos complementares e eu logo vi que ia ter que dar um jeito, (…) usava o Google Tradutor e fui me virando, correndo atrás do prejuízo”. Seu esforço valeu tanto a pena que ele conseguiu se comunicar adequadamente nos estágios e congressos internacionais e ainda teve que redigir e defender sua tese de doutorado em inglês. Marcelo afirma que essa foi a primeira defesa de doutorado em inglês no PPG Bioquímica, devido à presença de seu orientador do estágio realizado na Inglaterra.
Marcelo atribui ao ensino superior um valor definitivo em sua vida, pois, menciona, “se eu não tivesse tido essa oportunidade, nem sei o que seria. Provavelmente estaria em Iretama/PR, sem nunca ir para o exterior; estaria trabalhando num dos poucos tipos de emprego que lá existem”. Recém-casado, Marcelo ainda pretende estabilizar-se profissionalmente para ampliar a família e menciona ser o restrito campo de atuação profissional da Biologia o único motivo que o fez pensar em mudar de curso quando era graduando. “Mas desistir da vaga na UFPR jamais me ocorreu”, afirma.
Por outro lado, pensando sobre a existência de cotas no ensino superior, reflete: “o que ninguém discute é quão falho o vestibular tradicional é, pois ele não avalia prospectivamente que tipo de profissional e pesquisador a pessoa poderá se tornar, ele é retrospectivo, o que não garante nada. Cheguei a conhecer colegas de graduação meus que passaram com excelentes notas no vestibular e nem por isso se tornaram pesquisadores ou profissionais diferenciados”, conclui.