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FEDERAL DO PARANÁ

Pesquisa investiga noção de lucro em crianças trabalhadoras

Diferentemente do que se poderia pensar, elas não desenvolvem uma noção de lucro mais apurada (em relação às demais crianças que não trabalham) apesar de passarem todos os dias vendendo coisas para ajudar no orçamento famíliar. A pesquisa objetiva conhecer a evolução dessa noção de lucro em crianças cuja atividade é vender nas ruas e confrontar os resultados com estudos realizados em outros países.

O trabalho infantil é comum em países subdesenvolvidos. No Brasil, encontramos com freqüência crianças vendendo produtos em sinaleiras, terminais de ônibus e bares. Essa atividade gera um questionamento: esses menores adquirem uma noção comercial mais rapidamente em relação às crianças que estão nas escolas? Projeto de pesquisa iniciado em 2003 entre a Universidade Federal do Paraná e a Fundação Arquives Jean Piaget da Universidade de Genebra mostra que as crianças trabalhadoras não possuem noção de lucro.

Os pesquisadores do Departamento de Educação investigam os padrões evolutivos da noção de lucro em 52 crianças e adolescentes de 04 a 16 anos de idade, trabalhadoras de rua da cidade de Curitiba. O projeto foi iniciado a partir do conhecimento do trabalho desenvolvido pelo professor Juan Delval, da Universidade Autônoma de Madri, um dos maiores estudiosos da atualidade sobre representações do mundo social na perspectiva da psicologia genética, que visitou recentemente a equipe a convite da professora Tânia Stoltz, coordenadora do projeto e Chefe do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação. “Com os resultados alcançados será possível elaborar estratégias de ensino e práticas educacionais mais coerentes com a compreensão infantil, envolvendo temas ligados à noção de lucro e, de forma mais abrangente, ao conhecimento social”, Diz.

No início, eles imaginavam que crianças que trabalhavam com venda teriam melhores condições para refletir sobre o lucro do produto vendido. Porém, a partir das explicações delas, foi possível concluir que elas não entendem o processo, pois geralmente é o aliciador quem determina o preço. O lucro é uma noção que depende do conhecimento do processo (origem do produto, preço na origem e na venda). As crianças dizem que o preço é esse porque a mãe, ou o aliciador, disse. Ou até dizem “se não eu não ganho”. Não explicam o que está implícito nesse ganho e o que teria que ser levado em contar para fazer um cálculo adequado.

A pesquisa tem como objetivo conhecer a evolução da noção de lucro em crianças que exercem a atividade de venda nas ruas e confrontar esses resultados com estudos realizados em outros países. Visa também indicar implicações para a prática pedagógica no sentido de contribuir para a construção dessa representação do mundo social dos alunos. O método adotado é o clínico piagetiano. A análise considera categorias explicativas da noção de lucro e sua evolução, bem como em que os resultados podem direcionar práticas pedagógicas que favoreçam a construção do conhecimento social. O projeto começou há três anos e tem a previsão de término em 2006.

O tempo do projeto foi estendido devido ao interesse de outros pesquisadores da Espanha e da Suíça. Pesquisa semelhante a que está sendo realizada aqui também está sendo feita com crianças no México. Na Espanha, também se estuda a noção de lucro com crianças escolarizadas daquele país. Os pesquisadores estão concluindo as entrevistas, fazendo comparações e, paralelamente, estão publicando trabalhos baseados em análises do material recolhido.

“Essa pesquisa é apenas uma dentre outras com o tema de Inclusão Social. Começamos por ela por ser básica e por tratar de uma noção chave, no conhecimento social. Tem-se em mente trabalhar com noções de direito, religião e país para ver de que forma se processa esse tipo de conhecimento, e a partir desse estudo determinar práticas mais eficientes no ensino dessas noções”, explica Tânia.

O convênio foi firmado em 2003 onde foi estabelecido um termo de cooperação científica entre a Universidade de Genebra, particularmente Archive Jean Piaget e a UFPR. Outros projetos são realizados em conjunto com a Fundação Archives Jean Piaget: “Educação e Inclusão Social”, “Contextos Interativos e Possibilidades de Desenvolvimento” e “Conteúdo e Forma”. Esses projetos são “projetos mãe”, ou seja, abertos a pesquisadores que trabalhem sobre esses temas, ou similares, que possam se vincular a eles. Todos os estudantes e professores envolvidos visam realizar estudos de doutorado e pós-doutorado na suíça com temáticas em áreas como psicologia social, desenvolvimento, aprendizagem, filosofia da educação, sociologia da educação, em resumo, todas ligadas à educação a partir do referencial teórico piagetiano. Esses projetos são projetos mãe, ou seja, abertos a pesquisadores que tenham estudos sobre lucro ou os demais temas que podem se vincular a ele.

BOX – Para ter uma idéia do que os pesquisadores descobriram, leia abaixo os argumentos de dois menores que vendem rosas, adesivos e doces para ajudar suas mães no sustento da casa:

Entrevista com L.S. – Quanto você acha que o comerciante pagou pela bala, se ele vendeu a 0,05? 0,05 centavos então ele pagou. Ele pagou 0,05 também? Eu acho.Ele pagou 0,05 e vendeu por 0,05, ele ganhou dinheiro com isso? Ganhou. Ganhou? Ele comprou por 5 e vendeu por 5, ele ganhou dinheiro? Ganhou. O menino falou pra mim, aquele mesmo menino que fiz a entrevista, que quando compra por 5 e vende por 5 ele não ganha dinheiro. Mas ele falou pra mim que ele ganhou. Ele falou que ganha. É, mas se você compra a cartelinha por 0,25 e vende por 0,25 você ganha dinheiro? Não ganho. E o dono do mercado, se ele compra o lápis por 5 e vende por 5, ele ganha? É ganha, mas é porque ele sempre vende por 0,05, então ele ganha porque ele compra igual…

Entrevista com M.O. Você acha que o dono da papelaria pagou quanto no lápis? Não sei. Pra ele vender por 15 centavos, você acha que ele pagou mais ou menos? [ri] essa eu não tenho idéia. Ele ta vendendo por 15 centavos, né? Você acha que ele comprou por quanto pra estar vendendo por 15? Cada lápis é 15 centavos. Você acha que ele pagou quanto? [ri muito] Você acha que ele pagou 20 centavos no lápis e vendeu pra você por 15? Eu acho. Você acha que ele pode ter comprado… ele foi lá na papelaria comprou o lápis por 20 centavos e vai vender pra você por 15? Aham. Você acha que ele ganha dinheiro com isso? Ganha. E se ele foi e comprou por 10 centavos e vai vender pra você por 15 ele ganha dinheiro? Não. Não? Não. Se ele comprou por 10 e vai vender por 15, ele ganha ou não? Não. Não ganha.

Foto(s) relacionada(s):


menino vendendo algodão doce nas ruas de Curitiba
Foto: Izabel Liviski

Fonte: Rute Marques