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Entrevista: diretor artístico da Orquestra Filarmônica da UFPR, Harry Crowl, completa 60 anos

Com uma obra reconhecida internacionalmente e figurando na vanguarda da produção musical da atualidade, o diretor artístico da Orquestra Filarmônica da UFPR, Harry Crowl completa 60 anos em 2018. A qualidade de sua obra, interpretada por grandes orquestras e músicos mundo afora, e a contínua produção, chegando à composição de número 172, refletem uma dedicação incansável à música.

Harry Crowl, apresenta o programa de concerto da Orquestra Filarmônica da UFPR, o compositor completou 60 anos

Natural de Belo Horizonte (MG), conta que foi o ambiente da casa dos avós, onde foi criado depois de muito cedo perder os pais, que despertou seu interesse para a música. Aprofundou os estudos nos Estados Unidos, país com o qual Crowl mantém fortes laços culturais devido a seu pai ser natural do país. De volta ao Brasil inicia a carreira acadêmica na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) onde, como servidor técnico-administrativo, vai aproveitar os ricos acervos da região para pesquisar a música do período colonial.

Harry Crowl, diretor artístico da Orquestra Filarmônica da UFPR, completa 60 anos

Suas músicas têm sido interpretadas por diversas orquestras e grupos musicais dos quais se destacam o Trio Fibonacci (Canadá), o Ensemble Recherche (Alemanha), Orchestre de Flutes Français, Ensemble 2E2M (França), Moyzes Quartet (Eslováquia), The George Crumb Trio (Áustria), Cvartetul Florilegium (Romênia), Orquestras de Câmara da Rádio Romena, Orquestra de Câmara Cidade de Curitiba, Orquestras Sinfônicas do Paraná, de Minas Gerais e Municipal de Campinas.

Em 1994, atraído pelo cenário musical de Curitiba, escolhe a cidade para se estabelecer e pede transferência para a UFPR onde vai ter uma atuação marcante como diretor da Orquestra Filarmônica mantida pela instituição. Sob sua influência e direção, o grupo aparece hoje como uma importante escola para a formação de músicos profissionais, além de um espaço de difusão e popularização da música. Com repertório variado, a orquestra mostra grande versatilidade, interpretando compositores clássicos, compositores brasileiros de todas as épocas, a música contemporânea e experimental.

Além do trabalho de musicólogo e compositor, o maestro divide suas tarefas ainda entre a atividade docente na Escola de Belas Artes, ligada à Universidade Estadual do Paraná (Unespar) e a produção de programas sobre música na Radio Educativa FM.

Harry Crowl destaca a pareceria com o maestro Márcio Steuernagel, regente da Orquestra Filarmônica da UFPR
Harry Crowl destaca a pareceria com o maestro Márcio Steuernagel, regente da Orquestra Filarmônica da UFPR

Nos dias 19 e 20 de setembro, a Orquestra Filarmônica da UFPR homenageia Crowl com um espetáculo que traz três de suas composições inéditas em Curitiba e peças que marcaram a carreira do compositor, como uma abertura para orquestra do século XIX, descoberta pelo músico em suas pesquisas. A apresentação traz ainda o Concerto para bandolim e Cordas, de Radamés Gnattali, numa lembrança aos 30 anos de falecimento do compositor.

Confira a entrevista que a equipe de comunicação da UFPR fez com o compositor:

Harry Crowl, diretor artístico da Orquestra Filarmônica da UFPR, completa 60 anos

Como foi o despertar de seu interesse pela música? Poderia falar um pouco do início dos estudos e da carreira?

Eu não comecei muito cedo, como é de se esperar, mas fui criado na casa dos meus avós em Belo Horizonte, meus pais faleceram quando ainda era criança, ali havia um culto à literatura, à arte e a música que despertou meu interesse. A música que vim a conhecer na infância foi a música de concerto, música clássica, que exerceu um fascínio muito grande sobre mim. Meus avós ficavam um pouco preocupados com meu interesse, justamente com medo de que eu quisesse me tornar músico profissional e não quisesse me envolver com o que eles consideravam sério. O gosto de ouvir música sempre me acompanhou até que comecei a estudar violino quando tinha uns 15 anos e paralelamente a meus estudos regulares continuei estudando música.

Também a vontade de compor, alguma influência marcante dessa época?

Existia naquele tempo nas bancas de jornais e revistas uma coleção da Abril Cultural que se chamava Grandes Mestres da Música Universal, aquelas biografias eram fascinantes para mim, em um primeiro momento tudo muito distante, porque os compositores eram todos europeus e do passado, até que um dia saiu um disco do Padre José Maurício, compositor brasileiro da época da colônia, da corte de Dom João VI e de Dom Pedro I. Eu fiquei fascinado com a ideia de existir um compositor clássico brasileiro, já conhecia o Carlos Gomes, o [Heitor] Villa-Lobos, mas aquela biografia romantizada do Padre José Maurício me marcou muito.

O cenário musical de Belo Horizonte teve alguma influência?

Durante minha infância e adolescência surgiu muita coisa em Belo Horizonte, a fundação da Orquestra Sinfônica de Minas [Gerais], o Palácio das Artes. Isso tudo foi me entusiasmando. Havia desde cedo na minha família a ideia de me mandar para os Estados Unidos, meu pai era americano, eles sentiam a obrigação de me encaminhar para lá, para que eu tivesse contato com a minha família paterna e pudesse resgatar essa parte da minha origem, da minha cultura. Foi na ida aos Estados Unidos que pude estudar mais, passei do violino para viola, porque achava mais interessante. O violino é um instrumento que não dá para começar a estudar na adolescência, tem que ser iniciado na infância, com a viola pensei que teria mais possibilidades de trabalho, além de ser um instrumento intermediário, ao tocar numa orquestra, eu teria oportunidade de perceber todo o funcionamento do grupo.

Como foram os estudos nos Estados Unidos?

Eu estudei viola na Escola de Westport em Connecticut. Fiquei sabendo nesse tempo que a famosa Juilliard School, em Nova York, tinha um departamento de extensão que oferecia cursos regulares que são abertos para a comunidade, uma pessoa podia ir lá e fazer uma prova de aproveitamento e se inscrever, foi o que fiz. Comecei a cursar algumas disciplinas e foi fantástico, eu tive acesso ao melhor da cultura musical de Nova York, não só na Juilliard School, com o cartão da escola podíamos acessar todo o sistema de bibliotecas públicas do distrito. Eu podia passar o dia inteiro na musicoteca estudando, ouvindo música, pegando partitura do que quisesse, foi uma imersão para mim muito importante.

Nesta época já havia a influência da música erudita brasileira do século XX? E como foi o retorno ao Brasil?

Ainda nos Estados Unidos, fiquei um pouco indignado com minha própria ignorância sobre essa música no Brasil. Comecei a correr atrás de gravações antigas da música de Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, [Francisco] Mignone esses compositores da fase que chamamos de nacionalista. Na volta para o Brasil estava ávido para ir mais fundo nisso e continuei estudando por minha conta. Considero que minha formação foi fortemente autodidata. Mas também houve aulas e contatos breves com alguns compositores estabelecidos, com o Willy Corrêa de Oliveira, em São Paulo, com Guerra Peixe, que na época estava indo a Belo Horizonte dar aula na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], com Rufo Herrera, um compositor argentino radicado em Belo Horizonte a muitos anos, e todos eles me deram orientações muito importantes.

Sua obra tem um alcance invejável, poderia comentar um pouco da carreira de compositor? Qual foi sua primeira peça?

Escrever música me atraiu desde muito cedo também. Minha primeira peça eu escrevi com 21 anos, depois de algumas tentativas anteriores. O nome dessa composição é “Cantiga de Escárnio” baseada num poema medieval, de Dom Afonso X, de Leão e Castela, uma peça para voz e um pequeno conjunto instrumental. As origens de nossa língua também despertava meu interesse, inclusive preservei o poema original em galego-português. Foi uma espera de muitos anos antes de ver essa peça executada. Minha formação como compositor foi feita com uma série de lacunas, como me dava conta disso, corri atrás de alguma forma para preenchê-las, principalmente em relação ao que eu queria compor, o fato de ouvir muita música ajudou a achar meu caminho, poder dizer é desse jeito que eu quero fazer. Um dos meus professores, nos Estados Unidos, Charles Jones, foi muito importante para isso. Ele dava aula de orquestração na Juilliard School e passou a me dar aula particular de composição. Eu dizia para ele, “estou pensando em fazer assim”, ele pegava no pé em algumas coisas, mas em outras ele incentivavam muito, isso foi muito importante para achar um caminho na questão estética que foi se tornando cada vez mais complicada para todos aqueles que fazem arte do final do século XX em diante.

Por que foi ficando mais difícil, qual caminho você encontrou?

Porque o excesso de informação é muito grande, você se achar neste emaranhado de coisas é difícil. A tendência, eu vejo hoje, com muitos anos de experiência dando aula de composição, é que o jovem compositor, o jovem artista, tende a querer imitar o que ele vê e gosta, sem ter uma reflexão mais profunda sobre aquilo. Essa reflexão vem com o tempo e a experiência. Algo muito importante nesse sentido, ou talvez, algo um pouco menos difícil de se fazer, é identificar o que você não quer, ir separando as coisas. No meu caso fui me dando conta que eu queria desenvolver um tipo de linguagem musical que se baseasse em algo extra musical e de alguma maneira em coisas antigas, em fragmentos, como se fosse uma arquitetura que se baseia nas ruínas, criar uma linguagem contemporânea a partir das ruínas do passado.

Essa estética teve influência de outras áreas?

Sim, com certeza, como a obra de [Oscar] Niemayer que em parte tem relação com a arquitetura colonial brasileira, a construção barroca no discurso dos filmes do Glauber Rocha, também o movimento concretista que interagia muito com poetas do passado, esse tipo de coisa começou a me atrair. Eu não via isso com muita frequência na música. Fui atrás de compositores que fizeram coisas parecidas e a maioria das vezes não fiquei muito satisfeito com o resultado. Eu queria fazer algo mais, utilizar elementos do passado foi o que acabou dando o pontapé inicial para a minha composição.

Essa marca continuou aparecendo ao longo da sua carreira?

Sim, frequentemente retorno a isso, claro, já trabalhei de várias outras formas, mas sempre foi uma opção marcante para mim partir de elementos extra musicais, partir de uma imagem, de um texto de literatura, um texto poético. É lógico que há muita discussão técnica e filosófica de que a música não representa nada, que é apenas o som, tudo bem, mas penso muito na coisa extra musical como o gatilho para a ideia musical, não é para as pessoas que vão ouvir perceber isso, posso até escrever no texto do programa, mas se isso não for percebido não tem importância.

Sua carreira vem tendo uma repercussão fora do Brasil, poderia falar um pouco sobre como foi a recepção de sua obra no exterior e sobre os países que visitou?

Bem, posso dizer que a minha carreira internacional começou em 1993, quando ganhei uma bolsa de estudos do Conselho Britânico para fazer um curso de férias de composição com o compositor australiano Peter Sculthorpe, em Dartington, na Inglaterra. Na verdade, já tinha uma atuação intensa no Brasil, entre Minas, o Rio e São Paulo. Mas, queria de alguma maneira me expor a um ambiente internacional, trocar ideias, defender minhas posições estéticas perante um público de fora. Durante o curso em Dartington, tive a oportunidade de compor para um grupo de câmara britânico, o Murphy Quartet, o que foi decisivo. Conheci então regentes, musicólogos, e compositores de várias partes da Europa, além dos ingleses, naturalmente. Houve muito boa aceitação do que fiz – a peça “Terra Queimada”, para clarineta, violino, violoncelo e piano. A partir dali, recebi muitos convites. O contato mais importante porém, foi com um grupo de compositores dinamarqueses que me colocou em contato com vida musical de seu país. Na sequência, teria um contato intenso com a Dinamarca até 1997. Tive várias obras tocadas e mesmo estreadas lá e também no Festival Sommartonar, nas Ilhas Faroé, onde estive em 1996. Essas viagens foram abrindo mais espaço. A partir daí, viajei cada vez mais frequentemente para países europeus. Tive obras tocadas e encomendadas na Áustria; meu 1º. Quarteto de cordas “Na Perfurada Luz, em Plano Austero”, foi tocado e gravado em CD, em Bratislava, na Eslováquia. Fui o representante do Brasil na Sociedade Internacional de Música Contemporânea [SIMC/ISCM], entre 2002 e 2006, que me levou aos festivais World Music Days 2003 na Eslovênia, 2004 na Suiça e 2005 na Croácia. Fiz importantes contatos no leste europeu e nos países nórdicos. Entre 2006 e 2015 fui por cinco vezes compositor residente no VICC [Visby International Composers Centre] na Suécia. Estive na Romênia algumas vezes e a minha música passou a ser executada lá com frequência, especialmente pelo Ansamblul TRAIECT, de Bucareste. Já estive também no Chile em algumas ocasiões para assistir execuções de obras minhas e mais recentemente, estive em Astana, Cazaquistão, em 2012, e em Moscou, em 2016, onde também já tive várias obras executadas e gravadas. Já tive importantes estreias em Paris e em Berlim. Aliás, tive também uma atuação significativa na Alemanha, quase sempre através do Instituto Goethe-Curitiba.

O que te marcou mais nestas visitas, esse intercâmbio também influenciou sua obra?

Por um lado, o intercâmbio é sempre fundamental para se conhecer o que os outros estão fazendo e também aprender com essa experiência. Por outro, a resposta positiva de público, crítica e colegas à minha música confirmam que estava certo em fazer as escolhas que fiz. Uma experiência recente muito gratificante foi falar sobre a minha obra no Conservatório Tchaikovsky, em Moscou, para uma seleta plateia de jovens compositores, intérpretes de vários instrumentos e regentes tanto de coro quanto de orquestra. Foi-me solicitado que falasse em português, não em inglês, o que fiz com a ajuda de uma intérprete da embaixada do Brasil, que vertia as minhas falas para o russo. A palestra que deveria ter durado 50 minutos, passou de 2 horas e mesmo depois, a curiosidade de muitos dos presentes não acabava. Mostrei várias gravações de obras e me pediam para mostrar mais. Quando mostrei um vídeo gravado no Rio de Janeiro, com a minha obra “Elogio da Sombra”, durante a XXIa. Bienal de Música Brasileira Contemporânea, eles gostaram tanto que me pediram para assistir a obra, com 17 minutos, até o final.

Quais obras marcaram mais sua carreira?

Não é fácil responder isso, principalmente porque produzo muito. Eu terminei agora minha peça número 172, que está sendo ensaiada pela orquestra aqui da Federal para o próximo concerto. A partir do momento que comecei a ter uma maior inserção tanto no Brasil como no exterior, praticamente todas as minhas obras passaram a ser tocadas e com uma boa frequência. Posso falar de algumas obras que tanto a concepção quanto a interpretação me agradaram muito. A minha ópera Sarapalha, baseada no conto do Guimarães Rosa, Sagarana, foi feita aqui em Curitiba, apresentada em 1999, e, depois, ganhou uma versão mais profissional em 2010 dentro de projetos da Fundação Cultural [de Curitiba]. O primeiro quarteto de cordas que escrevi ainda em Ouro Preto, que é um gênero que gosto muito, foi um marco importante para mim, ele só foi estreado muito tempo depois por um quarteto na Eslováquia. Também escrevi muitas obras envolvendo instrumentos de cordas, violino, violoncelo, viola. Há, mais recentemente, o meu terceiro concerto para violino, com um violino, quarteto de cordas e piano, que estreou em Curitiba e ganhou uma gravação na Suíça, ainda não lançada. Enfim, são muitas outras que me marcaram, fica difícil citar algumas.

Ano passado a Editora UFPR publicou o livro “Marinas” com partituras suas, poderia falar um pouco sobre essas peças?
As “Marinas” são um ciclo de peças inspiradas pelo mar, mas o único elemento que une essas peças é o fato de eu ter estado nos lugares, a uma primeira vista é algo muito insólito. O que tem a ver uma praia na Califórnia, com uma praia no litoral do Paraná, ou o mar visto da Costa de Portugal? São lugares em que eu estive e cada um sugeriu uma coisa bem diferente. Eu fiz esse ciclo de 8 peças para piano, justamente pensando na ideia das artes visuais, nestas pinturas com temas litorâneos que os pintores chamam de Marinas ou de Marinhas. A minha ideia foi fazer uma série de quadros musicais a partir da minha experiência nesses lugares.

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