O público lotou o Theatro Municipal de Antonina, na noite de terça-feira(18), para assistir a montagem da peça baseada no conto “O Encalhe dos Trezentos”, de Domingos Pellegrini, que narra a história de um encalhe na estrada de barro e lama entre as cidades de Cianorte e Cruzeiro D’Oeste, no interior do Paraná, final dos anos 50, onde 300 caminhões ficaram atolados durante uma semana de fortes e intermitentes chuvas.
Em “O Encalhe dos Trezentos”, a saga da colonização do interior do Paraná
A apresentação de Rafael Camargo mesclou distintas linguagens, combinando os recursos da literatura, teatro e música. Montagem, com texto inédito no teatro, prendeu a atenção da plateia utilizando a técnica dos “contadores de causos”. A direção do espetáculo é de Nena Inoue.
Conheça um pouco mais…
O Encalhe dos 300 começou às seis horas da manhã escura de 11 de agosto de 1958, no atoleiro do Km 60 da Cianorte-Cruzeiro do Oeste, a estrada mais perebenta do Brasil. Um FNM com carga de peroba meteu o peito na lama empoçada e bambeou de lado, as rodas traseiras patinaram esguichando e duas afundaram na valeta coberta pela enxurrada; o motorista não se deu nem ao trabalho de descer: aproveitou que ainda estava de sapatos secos – lá fora a chuva engrossava as enxurradas – e cruzou os pés no painel, acendeu um cigarro e deixou chover; que chovesse; que desabasse; que os troncos de peroba virassem esponja na carroceria. Ele sabia: aquele atoleiro só secava com sol de estalar mamona; e peroba não é carga de mofar com chuva. Quando raleou, às seis e meia mais ou menos, tirou os sapatos e enfiou umas botinas velhas que estavam ali de plantão desde a última chuva, contou os cigarros, ainda deixou chover mais um cigarro; e pulou fora da cabine, o barro grudou e começou a formar, debaixo da sola da botina, uma segunda sola, mais grossa, pra ser depois arrancada no estribo e renovada, arrancada e renovada; e quanto mais tempo passasse e o encalhe aumentasse, mais fios de capim e palitos de fósforo haveria misturados naquela sola de barro.
Quando ele saiu chapinhando no barro, outros já vinham com solas mais grossas e pesadas; o atoleiro era no rego de dois montes, e já havia dois caminhões esperando em cada subida; logo haveria outros, até o alto de cada lombada, e até o fim do dia outros e outros estrada afora, pára-choques apontando pra Cruzeiro ou pra Cianorte, e até que Deus mandasse sol os de Cruzeiro não chegariam a Cianorte nem vice-versa. Porque quatro troncos de peroba não são porcos nem galinhas, não são sacos de batata ou de café que se pode aliviar e recarregar depois. Mas mesmo quatro troncos de peroba podiam acabar emborcados na valeta, depois que as filas aumentassem e os revólveres saíssem dos porta-luvas pra comandar o desencalhe. Mas antes um afobado haveria de botar pedra no angu, um caminhão encalhado haveria de virar dois, não sobraria remédio senão esperar, até aquele encalhe virar o Encalhe dos 300 e aquela chuva virar uma semana de chuva.
“O Encalhe dos 300” de Domingos Pellegrini Jr.