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FEDERAL DO PARANÁ

Apoio financeiro e de inclusão garante permanência de 40 indígenas em graduações da UFPR

Aos 40 anos, Nivaldo Pereira está no terceiro semestre de Medicina na UFPR. Euller Miller, 23, cursa Odontologia, e Camila Amajunepa, 19, é estudante de Direito. Matriculados em cursos diversos e oriundos de estados diferentes, eles têm também muito em comum: são indígenas, querem compartilhar com seu povo o conhecimento adquirido na universidade e contam com o apoio da instituição para superar as dificuldades financeiras e de adaptação a Curitiba e à vida universitária.

Nivaldo Pereira tem 40 anos e está cursando o terceiro semestre de Medicina. Foto: Samira Chami Neves/ Sucom UFPR

Os três estudantes compõem um grupo de 40 indígenas com matrículas ativas na UFPR atualmente. Outros 21 já se formaram pela instituição. São pessoas de diferentes regiões do País e pertencentes a várias etnias, principalmente à Kaingang. Seu ingresso na universidade decorre das ações afirmativas, que visam a democratizar o acesso ao ensino superior público para populações em situação de desvantagem social, como os próprios indígenas e também afrodescendentes e alunos oriundos de escolas públicas.

A coordenadora do Núcleo Universitário De Educação Indígena (NUEI), Ana Elisa de Castro Freitas, explica que existem dois sistemas de entrada na UFPR para a população indígena: “Um ocorre pela via do Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná, que dá acesso anual a dez vagas suplementares, e outro pelo Vestibular Geral da UFPR, pelo qual os candidatos autodeclarados indígenas têm a oportunidade de ingressar em vagas de cotas”.

Os alunos, que vêm de diversas partes do Brasil, distribuem-se em todos os setores e campi da universidade e em 20 diferentes cursos. O NUEI e as Pró-Reitorias de Graduação e Educação Profissional e de Assuntos Estudantis adotam políticas para fortalecer, auxiliar e incentivar o convívio e a permanência dos indígenas na instituição.

“A permanência é um tema complexo e abrange várias dimensões da vida do estudante indígena: o acompanhamento psicopedagógico, os espaços físicos para a organização político-pedagógica, formação de redes de apoio recíproco, projetos para potencialização de ações de ensino, pesquisa e extensão que abordem problemáticas de interesse às perspectivas acadêmicas de intelectuais indígenas, além dos fomentos”, conta Ana Elisa.

Entre outras iniciativas, o NUEI mantém um projeto de extensão voltado ao acolhimento dos estudantes em seu primeiro ano de universidade. Indígenas veteranos de vários cursos recebem bolsas para orientar e acolher os calouros, facilitando sua vinculação aos cursos e o acesso aos fomentos.

Integrantes da aldeia da estudante Camila Amajunepa. Foto: Arquivo Pessoal.

Estudante de Medicina, Nivaldo Pereira pertence à etnia Tupiniquim e é oriundo do Espírito Santo. Ele escolheu o curso pensando em uma forma de contribuir com sua comunidade, que é carente de profissionais de saúde. “Não quero me tornar um profissional só pensando no lado financeiro. Talvez pelo fato de minha mãe ter falecido de uma doença séria, penso que se um dia eu for médico, poderei ajudar pessoas de uma forma que ela não foi ajudada”, diz.

Pereira conta que trabalhar com saúde indígena é diferente e os médicos não pertencentes à comunidade devem fazer capacitação para poder atuar. “A aldeia tem a questão cultural, costumes que são diferentes, pessoas que, em muitos casos, nem falam a língua portuguesa. Além disso, essa população tem mais dificuldade em procurar a unidade de saúde e em aderir ao tratamento. O indígena sente-se mais à vontade falando com conhecidos, por isso precisa de um atendimento especializado”. Pereira conta que é visto como o futuro da comunidade e que sua família se orgulha de seu esforço.

Euller Miller, da etnia Kaiwá, está no terceiro semestre de Odontologia e vem do Mato Grosso do Sul. Antes de ingressar na UFPR, Miller cursou um semestre de Odontologia em uma universidade particular, mas, não podendo bancar as mensalidades, teve que mudar para Enfermagem, curso em que passou três anos. Só então surgiu a oportunidade de prestar vestibular na UFPR, onde está desde 2016, cursando a graduação que desejava. O estudante conta que sua aldeia funciona quase como um bairro da cidade, a proximidade dos centros urbanos influenciou no crescimento da comunidade. Por consequência, alguns hábitos culturais acabaram se perdendo, como a língua materna. “É como um bairro mesmo, tem casas de alvenaria, postes de luz, só não tem asfalto. É um bairro que chamamos de aldeia, as pessoas que moram ali são todas da nossa comunidade indígena”, explica.

Euller Miller tem 23 anos e está cursando o terceiro semestre de Odontologia. Foto: Marcos Solivan / Sucom UFPR

Dificuldades e incentivo

Um fato em comum a muitos estudantes indígenas é a dificuldade que enfrentam no início do processo, quando normalmente mudam-se para a cidade onde vão cursar a graduação. Além da questão financeira, que geralmente é o maior problema, eles enfrentam dificuldades com a inclusão em grupos, moradia e até mesmo o clima.

Miller conta que passou por um período bastante crítico por não estar preparado para a mudança. “Não tinha dinheiro e nem roupas adequadas, já que minha cidade é um local bem quente. Cheguei aqui com muito frio e eu não tinha nenhum casaco. Por isso, no início do curso, algumas pessoas me doaram roupas de frio. Foi algo emocionante, percebi muita compaixão. Com relação aos materiais requisitados pelo curso eu também acabava ficando à mercê de doações, quando ainda não possuía fomento”, relata.

Pereira conta que ficou praticamente nove meses sem contato com ninguém no início do curso. “Eu tive muita dificuldade em fazer amizade, talvez pelo fato de eu ser mais fechado e pela própria correria dos estudos. Agora eu tenho amigos indígenas e não indígenas. Até eu ter acesso ao fomento tinha que emprestar dinheiro de uma amiga. Atualmente, com a bolsa, eu estou conseguindo me manter. De outra forma não seria possível pois meu curso é em período integral”.

O apoio aos estudantes indígenas na UFPR acontece por meio de fomento e de acompanhamento da trajetória do aluno ao longo do curso. Este último é realizado pelo NUEI que qualifica as políticas de acesso, permanência e afirmação indígena na universidade, além de ampliar o reconhecimento da sociodiversidade indígena promovendo ações voltadas à afirmação dos valores dessas culturas. “Desde o ingresso no vestibular e do registro acadêmico, o NUEI procura acolher o estudante com uma equipe capacitada. Temos pedagoga, assistente social, além de um projeto de extensão em que indígenas veteranos participam monitorando o ingresso dos novos alunos. Esse acolhimento horizontal é fundamental. O período dos primeiros seis meses na cidade é o que identificamos como mais dramático na vida do estudante, por isso oferecemos esse suporte”, explica Ana Elisa.

O incentivo financeiro vem com o auxílio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis que se preocupa com assistência à moradia, ao transporte, à alimentação, a materiais, entre outros. “Também existe a política de mobilidade aldeia universidade, para que o estudante tenha a possibilidade de, durante a vida acadêmica, retomar os laços de pertencimento com a sua comunidade”, comenta a coordenadora do NUEI.

Camila Amajunepa tem 19 anos e está cursando o primeiro semestre de Direito. Camila está com a tradicional pintura do peixe cachara, usada em sua aldeia pelas moças solteiras. Foto: Marcos Solivan / Sucom UFPR

A estudante de Direito Camila Amajunepa, que veio do Mato Grosso e pertence à etnia Umutina, sente muita falta do convívio com sua comunidade. “Aqui é muito diferente da minha aldeia. Lá tem um clima bem quente, é rodeado de árvores e rios e as crianças correm para lá e para cá o tempo todo. Por isso, quando nos encontramos com outros indígenas que estudam aqui podemos relembrar essa sensação, conversar sobre as nossas culturas”, diz.

O sonho de Camila é lutar pela causa indígena e pelas necessidades do seu povo. Seu principal foco é batalhar pelo direito às terras indígenas e, para isso, quer trabalhar em uma organização que acolha o movimento. “Nós preservamos muito a terra, o que ela nos dá, consumimos. Pescamos, caçamos e plantamos, é disso que vivemos. Mas algumas pessoas de fora da comunidade não sabem como é nossa vivência e querem tomar nossos direitos. Há muitos conflitos entre índios e fazendeiros. Portanto, acho muito importante lutar por essa preservação e respeitar nossa tradição”.

Programa de Educação Tutorial e Setor Litoral

O Programa de Educação Tutorial (PET) é um programa do Ministério da Educação desenvolvido por grupos de estudantes com tutoria de docentes. A UFPR mantém o Grupo PET Litoral Indígena, que já promoveu uma geração de intelectuais indígenas de alto nível de formação acadêmica, atualmente espalhado por pós-graduações em todo o País.

Aliado ao PET, o Setor Litoral também dá ênfase a essas populações trabalhando em outros projetos intelectuais como o Laboratório de Interculturalidade e Diversidade (LAID). Criado em 2009, o laboratório é um espaço de referência para interessados nos temas de diversidade socioambiental e cultural que recepciona não só alunos indígenas como pescadores, caiçaras e outras classes que produzem projetos ao lado de outros estudantes. “Elaboramos metodologias inovadoras de educação intercultural, exercitamos projetos em coautoria, colocamos em prática metodologias de tradução a partir de temáticas aportadas pelas realidades dos estudantes indígenas mas que remetem a seus povos, territórios, linguagens e epistemologias”, explica Ana Elisa, uma das coordenadoras também do LAID.

Essas iniciativas são muito importantes para a formação de intelectuais indígenas, pois é a partir delas que se projetam grupos de excelência com alto padrão de qualidade intelectual. Exemplo disso é Douglas Jacinto da Rosa (26), oriundo do Rio Grande do Sul e pertencente à etnia Kaingang. Formado em Gestão Ambiental pela UFPR desde 2016, agora ele está cursando o Mestrado em Antropologia Social na UFRGS, feito inédito para um estudante egresso do Vestibular Indígena. “Acredito tratar-se da inauguração de um novo ciclo de relações na pós-graduação. Espero, por meio de minha trajetória, impactar positivamente a UFRGS assim como fiz na UFPR. Está mais do que na hora de as universidades públicas se deixarem influenciar pelos valores e princípios ameríndios”, comenta.

Douglas Da Rosa graduou-se em Gestão Ambiental pela UFPR em 2016. Atualmente faz Mestrado na UFRGS Foto: Arquivo Pessoal.

Rosa lembra que os anseios indígenas sobre o ensino superior de graduação e pós-graduação ainda estão longe de serem recepcionados pelas universidades brasileiras. “Por isso há a necessidade de se garantir espaços de enunciação para as alteridades indígenas que fazem parte hoje dessas instituições”. O trabalho do gestor ambiental não se restringe apenas à sua comunidade, atuando como representante do Rio Grande do Sul no Conselho Nacional de Política Indigenista ele aplica seus conhecimentos profissionais e acompanha a política indigenista em seu estado.

Futuro

Entre os estudantes indígenas que a UFPR acolhe, existem as mais diversas aspirações. Desde aqueles que desejam tornar-se lideranças políticas lutando pelos direitos da comunidade, até os que pretendem seguir a vida acadêmica. Porém, dentro desse leque de possibilidades, é comum que eles queiram compartilhar com seu povo o conhecimento adquirido na universidade.

Miller pensa em disseminar a experiência que está tendo aqui com sua aldeia, porém não descarta aceitar oportunidades em outros lugares. “Meu pensamento agora é o de levar ao meu povo essas informações que aqui me foram disponibilizadas para que eu possa mesclar com o que eles acreditam e fazer uma integração desse conhecimento técnico-científico com o tradicional”, revela. Pereira diz que já começou a participar das questões de saúde de sua aldeia e que sua missão é realizar conquistas em benefício da coletividade. “Meu sonho é contribuir com eles, estar sempre disponível para quem precisar”.

O objetivo de Camila desde que ingressou na UFPR é advogar pelas causas indígenas, porém seu desejo vai além. “Quero contribuir para transformar o mundo em um lugar melhor para todos. Todas as pessoas precisam do bem, e é isso que o Direito faz: abre portas para que possamos exercer o bem”, afirma.

Para a UFPR, a presença indígena é de grande importância para o desenvolvimento cultural e social. “Acredito que a universidade tenha muito mais a ganhar com a presença ameríndia do que as próprias sociedades indígenas. A demanda pela educação superior existe e há uma procura desses jovens por cursos que possam significar uma interferência maior em termos de políticas públicas nessa temática. Assumir postos em que eles possam ter agência nas políticas voltadas para seus povos é algo que passa pela pauta da juventude indígena”, afirma Ana Elisa.

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