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Quem conta um conto aumenta um ponto

Uma rápida passagem por uma padaria no centro de Antonina com a pergunta “você conhece uma lenda ou mito sobre a cidade?” causa um rebuliço difícil de controlar entre fregueses e funcionários do local. Quase todos se lembram de alguma história fantástica da cidade, mas poucos conseguem se lembrar de como ela termina. “Tem a história da noiva da estação, mas não lembro o que aconteceu com ela”, diz César Santos. Os que estão em volta tentam dar fim à história e acabam concluindo que a noiva foi abandonada por lá, mas ninguém sabe ao certo.

É para que essas histórias não se percam que Iza Maria Azim coleciona lendas e mitos locais. Ela guarda em casa um envelope cheio de páginas xerocadas e transcritas de livros que tratam de lendas locais. As histórias que escuta e não encontra escrita, ela mesma adapta e faz o registro.

“A história mais conhecida aqui da região é a da Mãe do Ouro”, conta. Essa é uma lenda sobre a mulher sem cabeça que tem fogo saindo pelo pescoço e guarda as minas de ouro de Antonina. Segundo ela, tudo começou quando o escravo Gerônimo, procurando ouro para seu senhor, se deparou com uma bela mulher que apontou a localização de minas. Querendo voltar para a terra natal na África, o homem passou a esconder uma pequena quantidade do ouro que achava para comprar a própria liberdade e a viagem de volta para casa. Mãe do Ouro, furiosa, avisou que aquilo não estava certo e que não o ajudaria a encontrar mais nada, e ele, revoltado, cortou a cabeça dela com um facão. Dizem que do pescoço dela saiu uma luz avermelhada e que o escravo se embrenhou na floresta, enlouquecido, e nunca mais foi visto.

Uma explicação sugerida por Iza é que a lenda deve ter surgido na época de exploração de ouro em Antonina em no século XVII, para ser usada como exemplo para que outros garimpeiros não tentassem esconder ouro de seus patrões. A base da história, porém, é em reações naturais que os homens daquele tempo não compreendiam, como o fogo-fátuo, a inflamação espontânea de gases emanados de sepulturas e pântanos. Ela conta que o próprio avô costumava relatar que viu a Mãe do Ouro mudando um punhado de ouro de um lado da baía para o outro.

Mas não é todo mundo que conhece esta lenda. “Sobre a Mãe do Ouro eu nunca ouvi nada, mas sobre a pirataria eu já colhi vestígios de que ela realmente aconteceu”, diz Nerval Pires da Silva, escritor do livro sobre lendas de piratas da baía de Antonina. A obra está quase acabada, e segundo ele é um romance com base nas lendas de piratas locais sobre a religião, cultura local, escravidão e o amor. “A pirataria foi um fato consumado em Antonina, por causa da facilidade em transportar as mercadorias e jóias roubadas pelas águas tranqüilas da baía e de rios que na época eram navegáveis”, diz Nerval, convencido. Além disso, aqui estavam concentrados fazendeiros que trocavam as peças roubadas por alimentos, roupas e outras coisas que os ladrões traziam, outros indícios de que essa era uma área visada para armazenamento e troca de produtos roubados.

Liliani da Rosa, pesquisadora de lendas e mitos, e ministrante da oficina “Histórias que o povo conta”, esclarece que o mito é uma maneira das pessoas explicarem a origem das coisas que não conhecem, como a Terra e fenômenos naturais. “As pessoas criam histórias para entender o que está a volta delas”, diz. Um exemplo dado é o mito da criação da terra.
Já a lenda, conta Liliani, é uma história que não precisa explicar nada, é geralmente sobre um herói, alguns até reais. Os melhores exemplos sobre isso são as lendas sobre indígenas e outros personagens.

Iza Azim acredita que a cidade tem mais lendas que muitas outras porque é a cidade dos causos. “As pessoas aqui são sarristas, gostam de dar apelidos. Cada pedaço de história da cidade tem uma lenda”, diz ela, e lamenta a falta de divulgação da cultura do Paraná, em comparação com Minas Gerais e nordeste. Ela acredita que o estado fica empobrecido quando os próprios paranaenses não conhecem a cultura local.

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Foto: Guilherme Souza

Fonte: Juliana Blume