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“Jogo de cintura foi estratégia do negro para sobreviver”, diz Conceição Evaristo na abertura do Copene 2020

É do cotidiano da capital do Rio de Janeiro, onde vive há décadas e da qual conhece das favelas às universidades, que a professora e escritora Conceição Evaristo, de 73 anos, tira uma metáfora que conecta o Brasil contemporâneo e o colonial. O assunto da conversa de abertura do XI Congresso de Pesquisadores(as) Negros(as) (Copene), na noite desta segunda-feira (9), era “engenhosidade”, termo associado à resistência negra no Brasil segundo o tema do evento.

Conceição lembrou de um conselho comum que mães dão aos filhos negros, sendo o Brasil um país em que negros têm 2,7 vezes mais risco de morrer por homicídio, segundo o Atlas da Violência 2020, e, o Rio de Janeiro, estado em que 78% dos mortos em ações policiais em 2019 foram jovens negros.

A escritora Conceição Evaristo e a professora Megg Rayara, do Setor de Educação da UFPR (à direita, abaixo). Reprodiução/YouTube
A escritora Conceição Evaristo e a professora Megg Rayara, do Setor de Educação da UFPR (à direita, abaixo). Reprodução/YouTube

“Não sair sem documento, ser preparado para não reagir. Essa é uma engenhosidade puramente defensiva, que foi talvez a mesma que o africano escravizado teve que usar nas vezes em que se colocou em silêncio. É para garantir a vida, porque sem ela você não tem nada”, disse ela.

Segundo Conceição, é a essa forma de “engenhosidade”, que é também um “jogo de cintura”, uma “destreza”, que parte da população escravizada aderiu e fez o que considerava o possível “para continuar vivendo”. Ser criado da casa dos donos de escravos, por exemplo. A título de informação: o historiador americano Stuart Schwartz calcula que, no fim do século 19, a expectativa de vida dos escravizados no Brasil era de menos de 19 anos, enquanto a dos não escravizados era de 27 anos.

Com esse ponto de vista, a escritora busca desconstruir a tese comum que conecta a manutenção da escravidão no Brasil durante quase 400 anos a uma pretensa passividade dos negros — os mesmos que ergueram o maior quilombo da América portuguesa, o de Palmares, destruído no fim do século 17 depois de um século de resistência.

Engenhosidade

“Michel de Certeau diz que tática e estratégia são diferentes. Que a estratégia é ter tempo de o sujeito se organizar, conhecer seu inimigo e as forças dele, e assim se armar para a guerra. Já a tática é a arma do fraco, do que não tem os aparatos defensivos que o que tem estratégia tem, do que arma a defesa na hora da luta”, pondera.

Para a escritora, é possível enxergar engenhosidade até mesmo na figura dos “pretos velhos”, que foram eternizados na literatura das Américas como o estereótipo do negro escravizado passivo, submisso ao senhor, que sente saudade da escravidão.

“O africano escravizado que ficava dentro da casa, perto dos patrões, sabia de tudo que acontecia na casa grande. Podemos bem imaginar que não eram tão passivos, poderia ser uma artimanha. Porque dentro de casa eles escutavam tudo. Sabiam das ausências do senhor e eram os que tinham informações para planejar fugas”.

Escrevivência

Nascida na capital mineira em 1946, a professora e escritora Conceição Evaristo saiu de Belo Horizonte ainda menina para trabalhar como doméstica em “casa de família”, uma jornada que é traço marcante da sua “escrevivência” (termo criado por ela), registrada em pelo menos dez livros. É nesse conjunto de obra que Conceição afirma que está a sua história.

Foi vencedora do Prêmio Jabuti em 2015 com o livro de contos “Olhos d’Água”. Fez campanha por uma cadeira na Associação Brasileira de Letras (ABL) em 2018 e perdeu para o cineasta Cacá Diegues. Mas é uma carreira literária com mais vitórias do que derrotas no que acredita ser o importante, dizer o que quer dizer.

“Custei a publicar, mas tenho tido sorte. Ninguém nunca quis mexer no conteúdo. O dia em que quiserem, eu não vou aceitar. Publico por minha conta, mas não deixo”.

Veja a abertura na íntegra:

Sobre o Copene 2020

Neste ano, o Copene será realizado em duas fases, segundo reorganização necessária devido à pandemia de Covid-19.

A primeira será online, de 9 a 12 de novembro, com a conferência de abertura, no dia 9, com a escritora Conceição Evaristo, mesas redondas e a publicação do caderno de resumos das sessões temáticas As apresentações de trabalho foram transferidas para a Semana da África, de 24 a 26 de maio, no Campus Rebouças da UFPR, em Curitiba.

O congresso é realizado anualmente pela ABPN e, neste ano, tem organização da UFPR, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e do Instituto Federal do Paraná (IFPR). Também participa da promoção o Consórcio Nacional dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, do qual faz parte o Neab da UFPR, e a Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (Sipad) da UFPR.

Há 20 anos a ABPN atua para o fortalecimento profissional de pesquisadores negros e a consolidação dos campos temáticos de pesquisas de forma a garantir multiplicidade de pensamento em todas as áreas do conhecimento.

Leia mais notícias sobre o Copene 2020 neste link


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