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Fevereiro Lilás: Estudo da UFPR mapeia efeitos da ALD, doença genética rara, sobre mães portadoras

Doença genética rara, diagnosticada em uma a cada 20 mil crianças, a adrenoleucodistrofia (ALD ou ADL) já teve suas consequências degenerativas retratadas no filme “O Óleo de Lorenzo” (1992), baseado em fatos reais. A história do menino que perde a capacidade de andar e de deglutir criou a imagem pública da ALD. Menos se sabe, porém, sobre outro público marcado pela doença: as mulheres portadoras da mutação do cromossomo X que causa a ALD e que geralmente só descobrem isso ao dar à luz meninos que desenvolvem a doença — o risco é de 50% a cada gravidez. 

Os efeitos da ALD sobre as mães portadoras, ainda pouco investigados, já aparecem nos resultados preliminares de um levantamento epidemiológico na região Sul do Brasil realizado por pesquisadores do Setor de Ciências Biológicas e do Setor Palotina da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O estudo que tem foco em cerca de 20 famílias apontou que as mães de meninos diagnosticados com ALD podem sofrer efeitos da mutação genética, que em geral se agravam com a idade. 

Os efeitos da adrenoleucodistrofia sobre as mães portadoras da mutação genética, ainda pouco investigados, já aparecem nos resultados preliminares de um levantamento epidemiológico na região Sul do Brasil realizado por pesquisadores do Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foto: Ahmed Gomaa/Pixabay
Os efeitos da adrenoleucodistrofia sobre as mães portadoras da mutação genética, ainda pouco investigados, já aparecem nos resultados preliminares de um levantamento epidemiológico na região Sul do Brasil realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foto: Ahmed Gomaa/Pixabay

Segundo o levantamento, alguns dos sintomas se manifestaram na maioria das mães consultadas. É o caso da incontinência urinária (82%), da dificuldade de marcha (71%), das cãibras nas pernas (71%) e da constante perda de equilíbrio (76%). A incontinência fecal, por sua vez, afeta 24% das entrevistadas.

Esses efeitos estão relacionados aos reflexos motores da ALD. A mutação genética na região ABCD1 do cromossomo X é mais grave para meninos porque evolui para sequelas neurológicas causadas pelas lesões cerebrais — são elas que levam à morte poucos anos após o diagnóstico, em especial quando a doença surge em sua forma clássica, que acomete meninos de quatro a seis anos.

Busca por diagnóstico precoce e conscientização são as metas do levantamento epidemiológico sobre a adrenoleucodistrofia: Na foto, os professores Simone Benghi Pinto e Rui Pilotto. Foto: Acervo Pessoal

A principal consequência da mutação é a deficiência na metabolização dos ácidos graxos de cadeia muito longa, que passam a se acumular no sistema nervoso central e nas glândulas adrenais — localizadas acima dos rins e responsáveis por produzir hormônios que regulam atividades essenciais, como respiração e frequência cardíaca. No caso das mulheres portadoras, a dupla presença do cromossomo X tende a abrandar as consequências da mutação.

Pesquisa familiar

De acordo com a professora Simone Benghi Pinto, do Departamento de Patologia Básica (DPAT) da UFPR, os efeitos da ALD sobre as mães portadoras são pouco retratados na literatura científica, mas podem ser relevantes para o mapeamento das famílias em que a mutação é uma possibilidade. “O diagnóstico precoce é a única chance de tratamento para a doença. A maioria das famílias só percebem [a tendência genética] quando já têm uma criança acamada. Qualquer coisa que ajude na ‘pesquisa familiar’ é um avanço”, afirma Simone, que perdeu o único neto em 2018 devido à ALD.

Os resultados preliminares do levantamento epidemiológico da ALD, que começou a ser realizado em 2018, foram apresentados no 6º Encontro de Famílias com Leucodistrofias, na Argentina, em outubro de 2019, por Simone e pelo professor Rui Fernando Pilotto, do Departamento de Genética da UFPR.

Pilotto ressalta que o levantamento permitirá mapear onde as famílias com diagnósticos de ALD estão distribuídas na região Sul do Brasil, o que pode subsidiar políticas públicas com foco nas localidades em que a incidência da doença é relevante.

Sintomas da adrenoleucodistrofia para mães portadoras da mutação genética que causa a doença degenerativa

Essa seria uma forma de o SUS adotar ações mais pró-ativas, visto que a doença tem características desafiantes. “Famílias que só têm filhas podem ficar gerações sem saber que carregam a mutação genética. É assim que são surpreendidas pelo diagnóstico”, conta o pesquisador.

Diagnóstico

Por ser uma doença rara, a ALD pode fazer com que as famílias percam muito tempo com diagnósticos imprecisos. Essa jornada também está retratada no levantamento. Psicólogos, pedagogos e oftalmologistas estão entre os profissionais que acabam sendo acionados pelas famílias para checar sintomas que mascaram a ALD, como perda cognitiva e déficit de atenção. “Só entre a escola constatar o déficit de atenção e o diagnóstico e ALD, eu e meu neto perdemos oito meses”, lembra Simone.

O principal tratamento disponível no Brasil para a ALD é o transplante de medula óssea, que permite barrar a evolução da doença. Com a nova medula, o transplantado tem a chance de passar a produzir proteínas normalmente. O transplante está disponível para pacientes de ALD desde 2017 pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o levantamento, porém, 29% dos diagnosticados com a doença foram submetidos ao transplante.

Isso ocorre justamente porque a demora no diagnóstico se soma à demora para achar um doador de medula compatível, sendo que cada mês é relevante para o tratamento da ALD. Para que o transplante tenha uma taxa aceitável de sucesso, o nível de comprometimento do cérebro com lesões provocadas pela doença precisa ser baixo — a comprovação ocorre por meio de ressonância magnética.

O estudo aponta que seis meses é o período mais comum que transcorre entre os primeiros sintomas dos pacientes e o diagnóstico de ALD (42% dos casos). Mas houve quem esperou mais: 12 meses (13%), 18 meses 98%), 24 meses (4%) ou até 36 meses (8%). Outros 8% só tiveram o diagnóstico confirmado depois da morte.

Duas lutas relevantes para reduzir o impacto social da doença são defendidas pelos pesquisadores: a inclusão da adrenoleucodistrofia no teste do pezinho, realizado em 2,4 milhões recém-nascidos por ano no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde; e a conscientização de profissionais de Medicina sobre a existência da doença. Palestras sobre o tema são ministradas todos os semestres aos estudantes da UFPR.

Apoio por WhatsApp

Outra frente de atuação tem a ver com a ampliação do mapeamento e do aconselhamento genético. Essas são ferramentas importantes para que as famílias conheçam os riscos da disseminação da mutação genética para descendentes. De acordo com o levantamento, porém, o aconselhamento genético ajudou cerca de 76% das famílias consultadas. “Deveria ser 100%”, avalia Simone. Nas famílias que não contaram com esse apoio, 75% das mães (possivelmente portadoras da mutação genética) tiveram outros filhos.

Levar informação às famílias é uma das metas da ativista Linda Franco, de 42 anos, que mora em Curitiba e administra um grupo no aplicativo de mensagens WhatsApp com cerca de 100 participantes. Em relação ao grupo, as tarefas diárias de Linda, que perdeu o filho, Gabriel, para a ALD em 2017, têm sido bastante amplas: mapear famílias atingidas pela doença, manter o clima positivo nas conversas e combater o estigma que faz sofrer as mães portadoras — o impacto social para as famílias costuma ser intenso.

“As mães se sentem intimidadas a buscar informações sobre a doença, como o mapeamento genético e o aconselhamento, porque não raramente são culpadas por familiares. Elas ficam com medo de saber. A maioria dos maridos deixa a esposa”, conta Linda, que fundou o grupo Família ALD Brasil e atua no Instituto Berbigier, que apoia pesquisas e tratamentos de doenças raras.

Linda também destaca outro combate que tem enfrentado: o impacto negativo de crenças sem embasamento científico sobre o trabalho de conscientização sobre a doença. “Na minha própria família existem pessoas que não querem levantar o risco genético na gravidez porque acreditam que meu filho ficou doente por ‘provação divina’. Falam isso sobre uma doença genética! O que fazer quanto a isso?”, indaga.

Fevereiro Lilás

Em sintonia com os pesquisadores da UFPR, ativistas de Curitiba programam ações de conscientização em fevereiro e em março, em alusão ao Fevereiro Lilás, movimento internacional de alerta para doenças raras marcado pelo dia 29 de fevereiro.

No dia 29, o Grupo Paraná de Doenças Raras (GPRDR) fará uma ação das 9 às 12 horas na Boca Maldita (Rua XV de Novembro), em Curitiba. A missão é informar sobre como sintomas de doenças e síndromes raras podem ser confundidos ou mal interpretados com outros problemas de saúde.

Haverá caminhada saindo da Praça Santos Andrade (às 9 horas), em direção à Praça Osório. À tarde, a partir das 14 horas, será realizada a Tarde de Folia inclusiva no Passeio Público, com a banda do Projeto Solyra, brinquedos inclusivos do Projeto Lia e equipe de Língua Brasileira de Sinais (Libras) da Prefeitura de Curitiba. Também estão previstas ações na Região Metropolitana de Curitiba, como sessão solene na Câmara de Vereadores de São João do Ivaí (9 de março)

A ALD também será tema de um painel durante o XXXII Congresso Brasileiro de Genética Médica (CBGM), que será realizado de 13 a 17 de maio em Curitiba. No dia 13 ocorrerá o Encontro Nacional de Associações de Pacientes com Doenças Genéticas, com inscrições gratuitas (acesse o site do CBGM 2020).