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Especialistas defendem respeito à decisão da mulher em casos de aborto

Para os especialistas presentes, o aborto é uma discussão fundamental para a saúde pública. Segundo a socióloga e especialista em saúde pública, Ligia Cardieri, hoje ocorrem cerca de 45 a 56 milhões de abortos por ano no mundo. Desse total, 20 milhões acontecem de forma insegura, principalmente em países menos desenvolvidos.

No Brasil, estima-se que o número de abortos por ano chegue a um milhão. Cerca de 220 mil, por serem realizados de forma inadequada, causam nas mulheres infecções graves, perfurações no útero ou outras complicações. ‘Os abortos inseguros afetam principalmente as domésticas, as analfabetas, as negras. Aquelas mulheres que não têm R$ 2 mil ou R$ 3 mil para dar a uma clínica que realize o procedimento de forma decente’, destaca a socióloga.

O ciclo de debates sobre o PNDH começou no início de abril e realizou ao todo seis encontros. Os outros temas abordados foram: mediação dos conflitos agrários, união e adoção homoafetivas, controle social da mídia, a abertura dos arquivos da ditadura militar e a tributação das grandes fortunas. Segundo os organizadores, o ciclo foi uma resposta à reação de setores mais conservadores da sociedade, por ocasião da divulgação do PNDH, em dezembro do ano passado.

O professor do curso de Direito da UFPR, José Antônio Peres Gediel, também participou do debate. De acordo com ele, juridicamente a questão do aborto está assentada sobre três pilares: a dignidade da pessoa humana, o direito à vida (embora ele ressalte que a Constituição define a ‘vida humana’ de maneira genérica) e o direito fundamental à saúde.

‘O grande problema é que a questão do aborto não é discutida juridicamente nem nos tribunais’, alerta. ‘Juridicamente, por exemplo, um anencéfalo é um morto, mas o STF [Superior Tribunal Federal] ainda vai julgar se permite ou não o aborto de fetos anencéfalos.’

Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto apenas em casos de estupro ou de risco de vida para a mulher.

A legislação no Brasil e no mundo

Hoje o aborto é permitido sem nenhuma restrição em 56 países (39,3% da população mundial), na esmagadora maioria localizados no considerado mundo desenvolvido. O Brasil faz parte dos 69 países (25,9% da população) que proíbem totalmente o aborto ou só o permitem em caso de estupro ou de risco de vida para a mulher (a maioria dos países da América do Sul, por exemplo, têm legislação mais flexível). A pena para a mulher que abortar fora desses casos, no Brasil, é de três a cinco anos de reclusão.

Cerca de 15 projetos que tratam do assunto tramitam hoje no Congresso Nacional. Deles, 13 pretendem tornar as punições mais duras. Há inclusive projetos que tornam o aborto em qualquer circunstância crime hediondo, sem nenhum benefício para a presa.

Na maioria dos países que permitem o aborto sem restrições, ele deve acontecer, de acordo com a legislação, até a 12ª semana de gravidez. Mas o Reino Unido, por exemplo, permite o aborto até 24 semanas por razões sociais, médicas ou econômicas, e até depois disso caso a gravidez apresente risco de vida ou de grave doença para a mãe, ou de má formação do feto.

Para Ligia Cardieri, as legislações mais retrógradas se devem a grande influência da Igreja Católica em alguns países. ‘O Brasil, por exemplo, sente bastante a presença do catolicismo, uma crença que consegue influenciar corações e mentes’, diz. O argumento se justifica se pegarmos o caso da ex-União Soviética, primeiro país a permitir o aborto sem restrições, em 1920, que não mantinha relações com a Igreja.

A oferta de serviços no Brasil

O primeiro serviço de aborto legal no Brasil passou a ser ofertado em 1989, em São Paulo, na gestão de Luiza Erundina (PT), e partir daí começou a migrar para outros partes do país. Mais de 20 anos depois, porém, o serviço ainda é escasso e no Paraná é ofertado apenas em Curitiba, no Hospital de Clínicas da UFPR, no Hospital Evangélico e no Pequeno Príncipe, este último para o caso de gravidez entre crianças.

De acordo com a legislação, em caso de estupro, para abortar são necessárias apenas a declaração da mulher e a assinatura de um termo.

Além da escassez dos serviços, a socióloga Ligia Cardieri diz que os serviços existentes também não são de todo eficientes. De acordo com ela, em países desenvolvidos, além da legalização do aborto, há fortes programas de contracepção. ‘Nós, por exemplo, avançamos pouquíssimo em coisas básicas como a educação sexual das crianças. Fala-se muito disso, mas acontece pouco’, alerta ela. ‘Os países desenvolvidos, além disso, também oferecem alternativas ao aborto. Eles têm uma política de ouvir a mulher, estimular a reflexão’, continua. ‘Mas, de qualquer forma, é um erro achar que a legalização vai aumentar o número de abortos. Todos os países que o fizeram comprovaram isso.’

Para a socióloga, o verdadeiro direito de escolha passa também pelo Estado dando condições para que a gestantes deem à luz. ‘O que nós queremos são as mulheres com direito de decidir, com a possibilidade de serviços que garantam mulheres sem sequelas, como infecção, hemorragia e esterilidade.’

Os limites do Direito

Para o professor José Antônio Gediel, a discussão sobre o aborto pode transcender a alçada do Direito. ‘A normatização, nesse caso, respeita mais as leis do mercado. Quem tem dinheiro para procurar uma clínica com padrão mais alto, vai procurar e vai fazer o aborto, independente da lei. Isso escapa à normatização jurídica’, opina.

Em todo o caso, para o professor, não faz sentido que o direito ocidental, fundado nas crenças liberais, restrinja o aborto apenas a alguns casos. ‘Se você respeito o princípio de autonomia da mulher sobre seu próprio corpo, você precisa respeitá-lo em todos os casos, independente das circunstâncias.’

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Cena do documentário brasileiro O Aborto dos Outros, dirigido por Carla Gallo
Foto: Divulgação

Fonte: Sandoval Matheus (estagiário), sob orientação de Fernando César Oliveira