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Trabalho remoto na pandemia: servidores públicos são mais cobrados e mulheres estão sobrecarregadas

Um relatório técnico baseado na pesquisa sobre o trabalho remoto na pandemia aponta que, em uma comparação entre setor público e privado, o número de servidores públicos que precisa cumprir metas de produtividade é maior que de trabalhadores de empresas privadas. O estudo também indica que profissionais do setor de educação têm apresentado dificuldades de adaptação à nova modalidade. Com relação ao gênero, o relatório destaca que a maior parte dos profissionais que diz estar trabalhando em um ritmo mais acelerado na pandemia é composta por mulheres. O trabalho foi realizado pelo Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade (GETS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em parceria com a Rede de Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir).

O distanciamento social, medida necessária e mais eficaz para combater o avanço da pandemia de Covid-19, obrigou 8,3 milhões de pessoas a trabalharem remotamente nesse período, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD COVID19 IBGE). Com o objetivo de compreender as condições gerais dos trabalhadores e a adaptação quanto à mudança do trabalho presencial para o trabalho remoto em razão da crise causada pela doença, o GETS aplicou uma pesquisa a cerca de mil profissionais dos mais diferentes segmentos econômicos, categorias e funções. Após sistematizar os dados gerais dos participantes, os pesquisadores fizeram uma análise reorganizando as informações a partir de recortes específicos que englobam docentes; setor público e privado; e gênero.

Setor público e privado

Foto de Christina Morillo no Pexels

Entre os respondentes da pesquisa, foram entrevistados 593 trabalhadores do setor público e 303 do setor privado. Questionados sobre e existência de metas, a maioria dos funcionários públicos (62%) disse que precisa cumprir critérios de produtividade, enquanto no setor privado 51% possuem metas. No trabalho remoto, 25% dos profissionais das duas categorias tiveram suas metas de produtividade aumentadas. Durante a pandemia, o ritmo de trabalho ficou mais acelerado para 47% dos servidores públicos e para 52% dos profissionais do setor privado.

O estudo também constatou que os trabalhadores do setor público tiveram mais gastos pessoais e menos recursos oferecidos pelas instituições para a execução das atividades em regime remoto do que aqueles que atuam na esfera privada. O resultado está alinhado com a diminuição de gastos que vem sendo constatada pelo setor público com a adoção dessa modalidade de serviço. Os pesquisadores concluíram que houve uma transferência de custos de trabalho para os próprios profissionais, que não estão recebendo ajuda dos órgãos públicos e precisam arcar com as despesas demandadas por recursos e estruturas necessárias para trabalhar em regime remoto.

“A impressão que tenho é que trabalho muito mais e rendo muito menos. Em apenas dois meses já senti algumas dores nas costas por conta de a estação de trabalho não ser a mais adequada. Sinto pressão para mostrar que estou presente através de produtividade, quando no trabalho presencial isso não existia. Saliento que estou em um setor com uma equipe muito boa e com uma chefia bastante compreensiva, o que tem tornado essa experiência bem melhor do que poderia ser”, avalia um dos funcionários públicos que respondeu a pesquisa.

Para os especialistas, as falas dos trabalhadores do setor público no espaço aberto para comentários refletem dificuldades em equilibrar a atividade profissional, geralmente com cobrança de metas, com as atividades domésticas e cuidados com filhos, que estão com as aulas suspensas. A falta de treinamento e de capacitação para execução do trabalho nessa modalidade são alguns dos fatores evidenciados pelos participantes.

Trabalho docente

Foto de Julia M Cameron no Pexels

Sobre os profissionais do setor educacional, os pesquisadores observaram que a maioria (72%) encontrou dificuldades ao realizar o trabalho de forma remota. A nova condição demanda dos trabalhadores novas habilidades e conhecimentos ausentes da dinâmica cotidiana de muitos docentes antes da pandemia. Soma-se a esse aspecto a característica de indissociabilidade dos espaços de trabalho e de vida privada, acentuada na modalidade.

Outros aspectos dificultados no trabalho remoto apontados por essa categoria foram o recebimento de demandas de trabalho a qualquer horário e dia da semana (53%), a falta de contato com os colegas e alunos (50%), a dificuldade em separar a vida familiar da atividade profissional (48%) e muitas interrupções durante o trabalho (45%). Nessa questão, a pesquisa permitia a escolha de múltiplas respostas.

Para a maioria desses profissionais (60%), o ritmo de trabalho ficou mais acelerado durante a pandemia e quase metade deles (44%) passou a trabalhar mais de oito horas diárias. Houve aumento também no número de dias trabalhados na semana. Enquanto a quantidade de docentes que trabalham seis dias na semana aumentou em 27%, a daqueles que passam todos os dias executando funções profissionais teve um crescimento de 35%.

Nesse setor, a maioria dos profissionais (79%) acredita que a qualidade do trabalho é melhor quando realizado presencialmente. Já 16% dos entrevistados acham que não há prejuízo no trabalho remoto e, somente, 5% consideram o trabalho em home office melhor. A maioria (58%) teve gastos pessoais para adaptar as condições de trabalho ao ambiente residencial. Ainda assim, muitos (48%) acreditam que existem aspectos positivos e negativos nessa modalidade, enquanto 44% veem só pontos negativos e 7%, positivos.

Mulheres

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O estudo revelou que homens e mulheres vivenciam o trabalho remoto de formas diferentes e que as desigualdades entre os gêneros persistem também nessa modalidade. Os pesquisadores destacam que as mulheres são incumbidas, historicamente, ao trabalho reprodutivo e de cuidados e, em um momento como esse, em que essas atividades estão concentradas aos domicílios, elas estão ainda mais sobrecarregadas.

Das mulheres entrevistadas na pesquisa que deu origem ao relatório, mais da metade (51%) avalia que passou a trabalhar em um ritmo mais acelerado durante a pandemia. Com relação aos homens, essa percepção é menor: 43%. Paralelamente, mais homens relataram que o ritmo de trabalho não sofreu alterações (24%) ou que passaram a trabalhar em uma velocidade mais lenta (33%) durante o distanciamento social. Para as mulheres, esses quesitos correspondem a 43% e 17%, respectivamente.

Nesse período, o percentual de mulheres que têm trabalhado cinco dias na semana caiu de 83%, antes da pandemia, para 57%, assim como dos homens que passou de 78% para 55%. Isso se reflete no aumento de dias trabalhados semanalmente. Antes da pandemia, apenas 8% das mulheres exerciam atividades profissionais seis dias na semana. Durante a quarentena, na modalidade remota, esse percentual mais que dobrou, atingindo 19% do sexo feminino. Para os homens, trabalhar seis dias na semana passou de 10% para 16%. Já o trabalho sete dias na semana passou de uma taxa de 1% a 17% para as mulheres e de 4% a 18% para homens. Esses dados são relativos apenas ao trabalho remunerado.

De acordo com a pesquisa, 65% das mulheres e 53% dos homens tiveram dificuldades em executar o trabalho de modo remoto, enquanto 47% dos homens e 35% das mulheres disseram que não tiveram dificuldades.

“O grande problema é enfrentar sozinha questões emocionais. No meu caso, os sintomas de ansiedade generalizada retornaram. A angústia aumenta e não sinto tanta liberdade para conversar com meus gestores sobre isso por medo de perder o emprego”, declarou uma trabalhadora do setor privado casada e sem filhos.


“Acredito que o trabalho remoto impacte mais as mulheres, principalmente as mães solo como eu. Se as jornadas de trabalho já eram três ou quatro (trabalho fora, estudo, trabalho em casa, filhos), elas continuam as mesmas, mas com a diferença de estarem sendo realizadas no mesmo momento. Enquanto faço a janta, respondo e-mail, falo com a chefia, medico meu filho. Está pesado, estou cansada”, desabafa uma servidora pública mãe de dois filhos.

Para os pesquisadores, notam-se percepções sobre o trabalho remoto totalmente diferentes entre homens e mulheres, as quais estão relacionadas com seus papéis sociais. A conclusão do relatório aponta que, quando discorreram livremente sobre suas experiências em home office, as mulheres destacaram-se pela centralidade dos termos “casa”, “filho, “cuidado” e “criança”, enquanto os homens utilizaram mais as palavras “tempo”, “contrato”, “pandemia” e “casa”, sendo que esse último termo tem a ver, para eles, com a gestão do tempo e não com cuidado dos filhos e trabalho doméstico.

Trabalho pós-pandemia

De acordo com a coordenadora da pesquisa e professora de Sociologia, Maria Aparecida da Cruz Bridi, o estudo sinaliza alterações no mundo do trabalho após a pandemia e uma possível ampliação da modalidade remota em distintos setores da economia. “Ele aponta os desafios para a classe trabalhadora e seus sindicatos: como assegurar direitos e condições de trabalho que garantam a saúde física e mental dos trabalhadores? Como certificar que o trabalho seja realizado com jornadas que não ultrapassem as oito horas regulares, que foi uma conquista histórica da classe trabalhadora?”.

Para a pesquisadora, é importante garantir que as pessoas tenham vida para além do trabalho. “É fundamental salvaguardar que a empresa não se estenda para todos os domínios da vida do trabalhador, agora também em seu espaço privado. Há a necessidade de uma regulamentação que assegure direitos e saúde. Os sindicatos estão desafiados também a enfrentar esse tema e atuar, sobretudo, na questão das jornadas de trabalho. Poder trabalhar a partir de casa é uma boa saída para os trabalhadores, mas os ganhos obtidos com a redução de custos pelas empresas, por exemplo, devem ser repartidos com os profissionais”, avalia.

A pesquisa sobre trabalho remoto na pandemia e o relatório técnico que categorizou os resultados foram realizados pelos pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Alexandre Pilan Zanoni, Fernanda Ribas Bohler, Fernanda Landolfi Maia, Giovana Uheara Bezerra, Kelen Aparecida da Silva Bernardo, Mariana Bettega Braunert, Kelen Aparecida da Silva Bernardo, Zélia Freiberger e coordenados pela professora Maria Aparecida da Cruz Bridi.

Confira o relatório completo.

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